segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O tempo fugaz, o homem imperfeito e a Verdade imutável

Mais um ano se encerra. 2018 anos desde a vinda de Cristo já se passaram. Há dois mil anos, o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem é ainda um simples carpinteiro na Palestina; aprende o ofício com seu pai, o justo São José. O maior Império da época tentará destruir os gérmens da Religião por Ele pregada, que cresce extraordinariamente no embalo das peregrinações dos “pescadores de homens”. Há mil e quinhentos anos, a Europa observa a ruína do mesmo Império que começara como uma pequena vila agropastoril no Lácio, e as hordas dos chamados bárbaros se apoderam dos seus territórios. Difícil missão trazê-los à Luz da Verdade, que alcança sucesso inimaginável. Há mil anos, ao passo que enfrenta os ataques e pilhagens de escandinavos e sarracenos, a Cristandade começa a tornar-se fato consumado graças ao empenho dos monges, restauradores da fé, da cultura e até mesmo da economia no Velho Continente. 

Há quinhentos anos, a Revolução de Lutero abala a Europa, enquanto as Américas, bem como partes da África e Ásia, começam a receber a Luz da Boa Nova graças a duas pequenas nações que, não satisfeitas com o pequeno espaço que a Providência lhes reservara na Península Ibérica, navegam pelos oceanos e mares bravios com o auxílio da mesma Providência para conquistar mais que terras: almas, e aos milhões. Muito além das riquezas terrestres, acumularão riquezas no Céu. A própria Virgem Maria descerá ao Tepeyac e sua imagem aparecerá posteriormente no rio Paraíba, tornando-nos herdeiros daquela mesma Cristandade que se esfacelava diante do monge rebelde e seus asseclas. 

Há dois séculos, o mundo experimenta, em diferentes graus e sob diferentes formas, os efeitos trágicos da Revolução liberal francesa, inspirada pelo enciclopedismo iluminista. Novamente, não faltam aqueles que se insurgem contra a nova ordem, verdadeira desordem, da sociedade: Alguns nobres, sacerdotes fiéis a Deus e ao rei e camponeses que preferem a liberdade e fraternidade concreta sob a égide cristã ao invés da criação abstrata revolucionária levantam-se nas regiões interioranas do noroeste francês. Há um século, o mundo vê horrorizado os primeiros desastres da Revolução Comunista na Rússia. A Igreja levanta-se, uma vez mais, contra o totalitarismo ateu e, décadas depois, contra a falsa oposição também totalitária, e pagã. Concomitantemente, ocorre o fim de uma guerra brutal que supostamente acabaria com todas as guerras. Vã ilusão de um mundo secularizado, destroçado pela filosofia moderna e seus múltiplos enganos: crer no primado da paz tendo expulsado o Príncipe da Paz. 

Há meio século, a tecnologia avança como nunca: o mundo torna-se cada vez menor frente à velocidade das comunicações e dos transportes, o homem está prestes a visitar a Lua e a tensão da Guerra Fria faz-se presente. Na Igreja, modernistas e comunistas se infiltram e parecem, por vezes, triunfar. Mas Deus nos lembra da Sua Promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela” e homens fiéis à Tradição Católica combatem o inimigo com a coragem de leões. Novas revoluções vêm à tona, erros antigos repetidos à exaustão contra a Verdade sob a aparência de novidade seguem na vã tentativa de derrotar o Vencedor, cindindo a ordem natural da sobrenatural e, como consequência, desordenando aquela mesma ordem. 

Curioso é observar a relação do homem com o tempo na longa história dos séculos: esse ser imperfeito, com o intelecto sujeito a enganos e a vontade sujeita a desânimos parece querer assenhorar-se do relógio. Deveria aprender que o homem não é sequer senhor de si mesmo. Completa-se quando se subordina ao Sumo Bem, à Perfeição que é Deus, O qual tudo criou e jamais foi criado. Afastado dEle, o homem tem pressa. Economizar o tempo através do avanço tecnológico, da energia elétrica, do carro, do avião, das redes sociais: este é seu objetivo. Tenta, ao viver atarefado no mundo, economizando e ocupando o tempo para auxiliar o progresso material, fugir do inexorável destino de toda criatura: a morte. Assim ocorre com os vegetais, com os animais brutos e conosco. Cedo ou tarde, a natureza decaída virá cobrar seu soldo. Que importa, então, controlar o tempo? 

Longe de cair no engodo niilista, desesperançado e, por isso mesmo, desgraçado. O que diferencia o homem dos demais animais é possuir uma alma racional, que viverá eternamente e que, após a ressurreição dos corpos, estará junta ao corpo com o qual passou nesta terra. Os caminhos apontam para a Felicidade ou a condenação. Sabendo que está distante de Deus, o homem moderno foge da morte como o diabo foge da Cruz. Em meio a tantos afazeres e distrações, ele se esquece de cuidar da própria alma, o bem mais precioso que o Criador deu a cada um de nós. 

Ainda que a noção da condenação nos assole, razão não temos para temer com tal pavor que fiquemos desesperados. Assim como a história mostra a criatura humana, andarilha numa terra que lhe pertence apenas por algum tempo, sempre pequeno, ainda que Deus estabeleça quão pequeno é com ligeira diferença para uns e para outros, mostra-nos ainda o seguinte: não importa o quanto o mundo gire ou quantas revoluções estourem, a Cruz continua a mesma. A Verdade é imutável, indestrutível e imperecível. Não se veste com as roupagens das modas nem caminha conforme os tempos: continua sempre invicta, resistente e intacta. 

Que aparentemente seja derrotada não é coisa nova: a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz também pareceu derrota aos olhos do mundo. Bem sabemos que, na verdade, ela feriu mortalmente a verdadeira morte: a do pecado. E Cristo vence, Cristo reina e Cristo impera. Quanto aos Seus seguidores, à palma das torturas e do martírio, físico ou não, segue-se a coroa da Glória. Loucura para os pagãos, essa é a linguagem da Cruz: escrita com Sangue Inocente que redime o homem, germina e dá inúmeros frutos em todo o orbe terrestre. 

Os anos vêm e vão na longa aventura humana. Não faz essencial diferença àquele que sabe o que lhe espera e busca a Verdade com um coração sincero a todo instante, no presente. É um novo ano de combate à carne, ao mundo e ao demônio. É um novo ano para ganhar o Céu. É um novo ano para entronizar este Rei que é Cristo no coração e, sobre a base de uma sólida vida privada, dar testemunho dEle na vida pública. Que tenhamos todos consciência de tal dever, para que não sejamos escravos do tempo e deixemos para depois, tal como aqueles que acreditam serem senhores do relógio quando Deus o tem nas mãos, aquilo que pode ser feito hoje para a nossa salvação e do nosso próximo.

Temperança. Retidão. Coragem. Fé. Uma estátua que traduz a atitude do homem que ama a Verdade em relação aos tempos e seus costumes.

sábado, 29 de dezembro de 2018

Valores eternos

Comentário do jurista José Pedro Galvão de Sousa publicado na revista Reconquista, vol. I, nº 2 (1950). Asteriscos meus, notas do autor.


Família rezando a Ave-Maria ao cair da noite. Pintura de Ferdinand G. Waldmüller.

Dizer-se tradicionalista nos dias que correm não é para os cortejadores da aura popular, para os espíritos impressionáveis que reduzem o futuro do mundo às vinte e quatro horas do dia seguinte.

Estes hão de preferir outro vocabulário político. Serão os homens da "democracia", do "socialismo", do "progressismo" (1). Depois das últimas eleições inglesas talvez tenham deixado de ser os homens do "trabalhismo", se é que perceberam o verdadeiro alcance daquele pleito.

Tradicionalismo, para eles, é igual a passadismo. É puro conservadorismo. É pura utopia. Para não falar já dos que grosseiramente o confundem com os nacionalismos totalitários.

Procuram as vantagens do momento. Fazem a política do êxito imediato. Acomodam os ideais às circunstâncias, sacrificando muitas vezes a pureza daqueles às exigências inexoráveis destas.

Tudo isto podia dar muito certo - no ponto de vista em que se colocam - numa época pacatamente burguesa, como a Europa de antes de 14 ou o Brasil antes de 30.

Mas hoje tal imediatismo ilusório nem sequer permite colher, por algum tempo que seja, os frutos desejados. Os acontecimentos se precipitam, a guerra atômica tolda os horizontes com a sua terrível ameaça e o realismo soviético zomba dos seus cândidos adversários.*

Em meio a essa pavorosa confusão mental, dizer-se tradicionalista é necessariamente afrontar os ídolos do tempo. Mas é também considerar os fatos sub specie aeternitatis. É fazer a política da verdade histórica. É ser intransigente na defesa de um ideal, aguardando a hora em que a Providência permita a sua plena realização, sem concessões nem meias tintas. 

Não se trata propriamente de conservar. Há tanta coisa errada que precisa desaparecer! Não se trata de voltar atrás, pois a história não é uma fila de cinema que se possa fazer correr em sentido contrário. Contemplar beatificamente o passado seria recursar-se a qualquer ação sobre o presente e o futuro. Trata-se, como escreve Gustave Thibon, de "um retorno não ao passado como tal, mas aos valores eternos que floresceram nas melhores épocas do passado".

Esses valores eternos são elementos permanentes na organização dos povos. Repudiá-los é ferir a ordem social e humana nos seus princípios fundamentais, é por isso mesmo abrir a porta às crises insolúveis. Há uma política natural fora de cujos preceitos as sociedades se desencaminham e caem na anarquia. As prerrogativas inalienáveis da criatura humana, o caráter sagrado da família, a autonomia dos grupos sociais em face do Estado, tudo isso são princípios que floresceram em determinadas épocas com maior viço, e que hoje se acham comprometidos ou mesmo suprimidos por completo. 

Restaurar as condições que possibilitem a sua nova florescência não é retroceder no curso da história. É receber da História as lições de "política experimental" que ela sabiamente nos oferece.

Pretender construir o mundo novo de amanhã sem esse lastro de experiência é o mesmo que edificar sobre areia ou divagar através das nebulosidades da "política abstrata". (2)

E qual a primeira restauração a promover?

A restauração espiritual. A volta à verdade católica. O restabelecimento do primado da ordem sobrenatural.

O homem não vive só no estado de natureza. Elevado ao plano sobrenatural, aí encontra a perfeição do seu ser. Cindir a ordem natural e a sobrenatural é mutilar o homem. E organizar as sociedades como se o homem se movesse somente no plano da natureza é deixá-las na perpétua desorganização a que as atirou o Estado leigo.

Atendam os povos e não só os indivíduos ao apelo do Sumo Pontífice para o grande Retorno, feito ao ser promulgado o presente Ano Santo.

Só o retorno aos valores eternos, aos valores da Tradição - que constituem, como diz Francisco Elías de Tejada, em artigo inserido neste número**, a "medula dos povos" - só esse retorno poderá salvar a humanidade.

Retorno que será Reconquista: a reconquista de valores florescentes outrora e perdidos nos descaminhos por onde vagueiam sem norte os povos modernos. 


NOTAS E ASTERISCOS 

(1) O verdadeiro progresso se fundamenta na tradição, pois é fruto dos esforços das gerações que nos precederam. Quanto à democracia, deixou de ser a efetiva participação do povo no governo para se transformar no absolutismo de uma fictícia "vontade popular". É nas lições do tradicionalismo político que se encontram os rumos de uma autêntica democracia. 

(2)  La Tour du Pin dizia que, com a Revolução Francesa, termina a fase do direito histórico e se inicia a do direito abstrato. Digamos o mesmo da política. 

*Lembremos que o autor escreve no ano 1950, em plena Guerra Fria.
**La Lección Política de Navarra, publicado também na revista Reconquista, vol. I, nº 2. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O sentido comunitário do casamento e da família

Excelente artigo escrito pelo jurista católico José Pedro Galvão de Sousa para a IV Jornada Chilena de Direito Natural (1979)

José Pedro Galvão de Sousa

O CONSÓRCIO MATRIMONIAL

É admirável como um pagão - Modestino - soube expressar com tanta profundidade o caráter comunitário do casamento, que o Cristianismo veio elevar ao seu máximo grau com a instituição do sacramento do matrimônio.

Bem conhecida é a fórmula lapidar daquele jurisconsulto romano definindo as núpcias a união entre o homem e a mulher, num consórcio perene e numa comunicação dos direitos divino e humano: Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani juris communicatio (D. 23, 2, 1). 

Se grandes filósofos da antiguidade, na Grécia clássica, se anteciparam aos expoentes da filosofia cristã fazendo antever certas verdades por estes manifestadas em todo o seu esplendor, da mesma forma os juristas romanos antigos alcançaram, por via da razão, os princípios fundamentais do direito natural confirmados e transfigurados pelo direito cristão. 

Assim com o casamento. 

Da definição em apreço ressalta, em tríplice aspecto, o sentido comunitário da união matrimonial. Comunitário porque não vem só de um acordo, não se restringe a um contrato, não significa mera colaboração, mas, muito mais do que tudo isto, é vida em comum, fusão de sentimentos, integração mútua de dois seres na marcha para a realização de um mesmo destino. No século passado, o individualismo jurídico não viu no casamento mais do que um contrato. Ora, esta concepção de tal modo esbarrava contra a realidade patente aos olhos dos psicólogos, dos sociólogos e dos historiadores, que aquela visão unilateral e deformante não pôde resistir à análise objetiva e profunda dos maiores cultivadores do direito civil. E destes, como já tem sido observado, não há hoje um só, entre os verdadeiros cientistas do direito, que considere o casamento una situação estritamente contratual. 

Vejamos, pois, quais são os três aspectos indicados por Modestino: conjunctio, consortium, communicatio

Conjunctio: a união conjugal 

O casamento é a união do homem e da mulher, união cuja natureza decorre da essência do ser humano e de inclinações que lhe são próprias manifestadas pela dualidade de sexos. 

Essa união constitui o casamento ou matrimônio, que se fundamenta na lei natural. 

As disposições da lei natural não fazem mais do que nos apresentar o paradigma do procedimento humano para que este seja conforme à própria natureza do homem, a qual se manifesta pelas inclinações que lhe são próprias: a inclinação para a conservação da vida (correspondente ao instinto de conservação dos animais e a igual tendência nos seres do reino vegetal e até do mineral), a inclinação para a reprodução biológica (também existente entre os animais sob forma meramente instintiva) e a inclinação para o conhecimento da verdade ou para a vida social (estas últimas decorrentes da racionalidade humana, não se devendo confundir com a sociedade propriamente dita, agregados animais, com os das abelhas, das formigas ou dos castores). A reta razão, norma próxima da moralidade dos nossos atos, dá-nos a conhecer, com base na experiência, tais inclinações, e o que devemos fazer para as seguir de maneira condigna à nossa natureza e capaz de permitir a realização dos fins da vida humana. 

Diga-se de passagem que o direito natural, longe de ser uma pura abstração, uma quimera, tem um valor objetivo, ontológico, e suas disposições não fazem senão obrigar-nos ao respeito àquilo que essencialmente somos. Por isso, diz Cícero, numa de suas páginas imortais, que foge de si mesmo, renuncia à sua própria natureza, despoja-se da dignidade de ente humano quem desobedece às prescrições da lei natural, recaindo sobre si próprio, e como um castigo, as consequências sempre desastrosas da ruptura da ordem (De republica, II, 22). 

Posto isto, voltemos a considerar a lei natural enquanto fundamento do matrimônio. 

Três questões cumpre considerar aqui: 

1) Os fins do casamento; 

2) A obrigação do casamento; 

3) A origem do casamento. 

Quanto aos fins, eles se inserem numa hierarquia. A finalidade principal do casamento é a procriação, pois nisto se encontra a razão de ser da necessidade da união conjugal procedente da dualidade de sexos. A propagação do gênero humano é assegurada pela geração da prole. E desta resulta, como consequência necessária, a educação dos filhos, dever e direito natural dos pais. Além disso, o casamento é ordenado pela natureza ao amor e auxílio mútuo dos cônjuges. Finalmente, ele proporciona a disciplina moral tradicionalmente indicada pelos teólogos na expressão remedium concupiscentiae

A obrigação do casamento não é imposta pela lei natural a todos os indivíduos singularmente considerados. Entre as inclinações conformes à lei natural, algumas visam ao bem do indivíduo – por exemplo, a conservação da própria vida – e outras ao bem do gênero humano, e este é o caso da inclinação matrimonial. Ora, aquilo que se exige para a perfeição do gênero humano pode não corresponder à perfeição de um indivíduo. Assim se explica que o estado celibatário seja também plenamente conforme à lei natural, podendo mesmo tornar-se fonte de grande perfeição para o indivíduo – quando este o observa a serviço de Deus – e de muitos benefícios para a sociedade. Donde o ensinar a Igreja a excelsitude da virgindade consagrada, enaltecida pelo Apóstolo das Gentes num plano superior ao do matrimônio (2ª Epístola aos Coríntios, capítulo 7). 

Quanto à sua origem, ainda segundo a lei da natureza, o casamento é, sem dúvida, um contrato, pois não existe senão mediante o consenso mútuo dos nubentes, mas longe está de poder comparar-se aos contratos que dependem só da vontade das partes contratantes. Com clareza, explica Leonel Franca, no livro III, capítulo primeiro, de seu notável e sempre atual ensaio O Divórcio: “O matrimônio é, portanto, um contrato que só depende dos contraentes quanto à sua existência, não quanto à sua natureza. O consentimento dos nubentes é necessário para a constituição da família, não para a sua conservação. Esta depende da própria natureza da sociedade conjugal. A vontade dos cônjuges deve adaptar-se-lhe como a uma obrigação moral superior. Já São Boaventura distinguia as causas eficientes em duas categorias: não conservantes e conservantes. As primeiras produzem o efeito e não o conservam: tal a faca que abre uma ferida; as outras são necessárias para a produção e conservação do efeito, como o sol relativamente à luz. O consentimento dos cônjuges no contrato matrimonial é simplesmente eficiente; dá nascimento a uma família. A sua causa conservadora é a própria natureza com suas exigências superiores e intrínsecas da unidade e perpetuidade”. 

Tais considerações põem em evidência que na união conjugal a liberdade das partes é superada por razões superiores, decorrentes dos fins naturais do casamento. O que condiz com o sentido mais profundo do amor que une os cônjuges. A este propósito cabe lembrar as seguintes e belas reflexões de Gustave Thibon em seu livro Ce que Dieu a uni: On ne prend pas une épouse, on se donne á ele. Se marier c’est peut-être la façon la plus directe de ne plus s’appartenir [i. e.: nós não tomamos uma esposa, nós nos damos a ela. Casar-se talvez seja a maneira mais direta de não se pertencer mais]. 

Fruto do amor, a união conjugal é uma escola de sacrifício, mesmo porque o sacrifício é a prova do amor. O verdadeiro amor consiste no desprendimento de si mesmo e na entrega à pessoa amada, sem medir sacrifícios. O que ocorre tanto no caso do amor conjugal como no dos amores materno e paterno. Amor não se confunde com paixão animal, segundo pensam os que do prazer fazem a meta da vida. Se o amor pode nascer da fogueira de uma paixão, ele acaba por converter-se numa comunhão de almas e de vidas. Caso contrário, não terá passado da expressão de um refinado egoísmo. E onde há egoísmo não há lugar para o amor. 

O amor conjugal implica, pois, doação e dependência, e o segredo da felicidade conjugal está em amar essa dependência. Fora disso, isto é, sem renúncia e vitória sobre o próprio eu, ninguém será feliz no casamento. 

Consortium: o vínculo indissolúvel 

Ao definir o casamento um consortium, o jurisconsulto romano acrescentou logo: omnis vitae. Aí está afirmada a indissolubilidade do vínculo conjugal. 

Companheiros inseparáveis, ligados pelo amor, partilhando da mesma sorte – e por isso mesmo sendo chamados consortes – os esposos tomam sobre si o suave jugo que há de durar por toda a existência, tornando-os unidos nas alegrias e nos sofrimentos. 

Essa perenidade indestrutível do vínculo matrimonial é também um impositivo da natureza e, por conseguinte, de Deus, autor da natureza. Reclama-a o bem da prole, a educação dos filhos resultante do constante esforço e sobretudo da afeição e do carinho dos pais. Perante este fim superior, deve inclinar-se a vontade dos cônjuges, aceitando as limitações que, longe de os diminuir, os engrandece ainda mais tanto no amor como sacrifício. 

Os homens são livres de escolher entre o estado matrimonial e o celibatário, de querer ou não o casamento, mas nunca de querer o casamento sem ao mesmo tempo admitir as condições e consequências exigidas pela ordem natural, cuja violação implica aviltamento da dignidade humana. E entre estas exigências está a indissolubilidade. 

Mas no caso de amor malogrado? E quando os cônjuges não conseguem encontrar no casamento a felicidade a que aspiravam? 

Eis o terreno onde são mais fundas as divergências entre os defensores do casamento indissolúvel e os divorcistas, estes invocando o "direito à felicidade". 

Tudo depende da concepção dos fins do homem, de uma filosofia da vida. Os adeptos do divórcio não veem, acima da felicidade neste mundo, outra meta para o homem, enquanto seus adversários racionam com a mente voltada para valores mais altos. O divórcio resulta de uma posição nitidamente individualista, ao passo que os sustentadores do casamento indissolúvel têm em vista, mais do que o bem particular do indivíduo, a estabilidade da família, o interesse da sociedade e sobretudo o bem da prole. 

Aliás, o direito à felicidade não é absoluto. Há, na vida, casos de infelicidade irremediável, como nos mostram certas enfermidades ou as consequências de certos desastres. A questão está em saber fazer do sofrimento uma escalada da verdadeira felicidade, mas o que não se pode é, para atender ao bem de alguns poucos, ir contra o bem de toda a sociedade. Não cabe aqui analisar os efeitos do divórcio, neste sentido, já suficientemente estudados por tantos sociólogos e juristas, fazendo ver o estado de "anomia" social produzido pelo divórcio. 

De mais a mais, como já foi visto, a felicidade no casamento não importa ausência de sofrimento a até requer dos cônjuges muita capacidade de sacrifício. É preciso que eles saibam sofrer para poderem ser felizes e só o serão desde que, em meio às contradições encontradas na vida conjugal, se sirvam destas não para criar uma hostilidade recíproca, mas para fortalecer o seu amor. 

Consócio perene. "Por toda a vida", no dizer de Modestino. E a não ser assim - mas dentro dos postulados da concepção individualista e materialista da vida -, não seria mais consequente abolir a própria instituição do casamento? 

É o que nos faz ver muito bem o parlamentar brasileiro Daniel Faraco, em artigo publicado no Correio do Povo de Porto Alegre (30-X-1970):

"A grande questão que afinal se coloca é a do sentido do casamento e da hierarquia dos valores na qual ele se insere.  
Se o casamento tem sentido exclusiva ou predominantemente individualista, cumpre então e desde logo questionar a sua própria razão de existir. Se os interesses dos cônjuges ocupam o primeiro lugar e tudo mais se lhe subordina, por que motivo se há de disfarçar essa situação com a capa matrimonial? Bem mais lógica é a posição - que alguns proclamam sem rebuços - de abolir o casamento como velharia inútil. Quando muito, para conhecimento dos amigos, caberia una comunicação declaratória de endereço, caso se possa prever que a ligação durará algum tempo e importará em residência comum.  
Mas se o sentido do casamento é, como não pode deixar de ser, predominantemente social, estão os interesses dos cônjuges devem subordinar-se ao bem comum, e não vice-versa.  
De fato, a estabilidade do matrimônio é um imperativo que decorre de seu papel na vida social. Sem o casamento estável, a sociedade decai em conteúdo humano e se esvazia do cimento moral, que a distingue da simples multidão. Há uma ordem natural que dirige o casamento no sentido dos filhos e coloca os interesses e a felicidade destes acima dos interesses e da felicidade dos pais. Quando isso não ocorre, caracteriza-se uma situação de desordem que atinge os próprios fundamentos da sociedade e os subverte". 

Eis toda a questão. Ou o sentido plenamente comunitário do casamento, daí resultando a sua indissolubilidade; ou o sentido individualista, que destrói os alicerces da instituição matrimonial. 

Communicatio: a sacralidade do matrimônio 

Sacrifício: de sacrum facere. Os sofrimentos em comum da vida matrimonial têm o sentido de uma oblação. E o matrimonio realiza-se na sua plenitude, tornando-se fonte fecunda e manancial inesgotável de verdadeira felicidade, quando os sacrifícios que exige são oferecidos a Deus, na comum convicção dos cônjuges de que ao homem não cabe separar o que Deus uniu. 

Esse sentido mais profundo do casamento encontra-se nos povos primitivos, e, quando foi expresso na limpidez do conceito de Modestino, o Cristianismo não havia ainda transformado todo o Império Romano e conquistado a Europa, mas a sociedade pagã daquele tempo, com toda a sua degenerescência moral e os seus vícios, estava ainda assim impregnada de sacralidade. Divinizava as forças da natureza, “tudo era Deus exceto Deus” como disse Bossuet. E a consciência humana não adormecera de todo - "a alma humana é naturalmente cristã", dirá Tertuliano -, razão pela qual se reconhecia e proclamava o caráter sagrado do matrimônio.

Foi preciso chegar ao neopaganismo moderno - muito mais perverso do que o paganismo dos antigos gentios, porque este era o de uma sociedade que viveu sem conhecer o Cristianismo nem a Revelação mosaica, mas assim mesmo tinha o senso do sagrado e respeitava a lei natural ao passo que o neopaganismo de hoje procede de uma rejeição da mensagem cristã- para que ao casamento e à família se negassem os seus fundamentos religiosos.


O divórcio, em nossos dias, é expressão do individualismo, ou seja, do humanismo naturalista do homem moderno, que se manifesta em duas etapas: o individualismo propriamente dito e o coletivismo, este um resultado e uma continuação daquele, sendo, no fundo, o individualismo levado ao extremo numa cosmovisão materialista da vida. Um tal humanismo é consequência da secularização ou dessacralização das mentalidades e das instituições, que teve início no outono da Idade Média - para empregar a expressão de Huizinga - e no dealbar do Renascimento pagão paralelamente ao do protestantismo. A dessacralização penetra hoje na própria Igreja, como os Papas deste século têm advertido, dando-se até o caso insólito de católicos - quando não sacerdotes! - virem a público tendo a desfaçatez de preconizar o divórcio e postergando assim o caráter sagrado do matrimônio.

A comunicação do direito divino e do direito humano referida Modestino corresponde à instituição do casamento por Deus, ao criar o homem e dar-lhe uma companheira "para que não estivesse só" (Gen. 3, 18), e à elevação do matrimonio a sacramento, na Nova Lei, por Cristo, cuja presença nas bodas de Caná, aí fazendo o primeiro milagre relatado no Evangelho, é bastante significativa.

Essa comunicação entre o divino e o humano está nos sacrifícios oferecidos pelos cônjuges a Deus -sendo que estes, a seu modo, se consagram a Deus para cumprir a sua missão - e nas graças dadas por Deus, como sacramento do matrimônio, aos que o recebem e podem assim santificar-se no estado que abraçaram.

Assim, do plano do direito natural, acessível aos que não tiveram conhecimento da Revelação (Rom. 2, 14), passamos para o plano do direito cristão.

Instituição natural e divina, foi o casamento caindo paulatinamente, entre certos povos, num tal estado de degradação a ponto de não mais se reconhecer, sob as formas grosseiras da poligamia e da poliandria, aquela admirável unidade social feita de vida e de sentimentos entre os cônjuges, os pais e os filhos. A mulher estava reduzida à escravidão e transformada em objeto de prazer, a autoridade do chefe era tão excessiva que rompia a igualdade natural dos esposos, tendo o pai e o marido, por vezes, o direito de vida e de morte sobre seus subalternos, carecendo a elevação dos filhos do ambiente de elevação moral que naturalmente pressupõe.

O cristianismo restabeleceu a primitiva dignidade do casamento, assegurando os direitos do homem e da mulher, opondo à licenciosidade dos costumes conjugais a lei da fidelidade recíproca, transformando o despotismo arbitrário do chefe de família na autoridade hierárquica dos pais e do marido, oferecendo, enfim, para o cumprimento dos deveres relativos à educação dos filhos, os meios indispensáveis, de ordem natural e sobrenatural.

Mais ainda. Se a família já tinha um caráter religioso, como o demonstra o exemplo dos gregos e dos romanos como culto dos lares e dos antepassados, depois de Jesus Cristo vir ao mundo e consumar a obra da Redenção, o ato constitutivo do matrimônio foi engrandecido pelo sacramento, de tal maneira que um não pode existir sem o outro, nas perspectivas do direito cristão. Daí a expressão usual entre os teólogos e canonistas para designar o vínculo matrimonial: contrato-sacramento. Note-se o traço de união, como a indicar que o sacramento não é um acréscimo, um elemento acidental que se justapõe ao contrato: ele afeta a essência mesma do contrato.

O cristianismo enobreceu, pois, o casamento, sacramentum magnum in Christo et in Ecclesia, no dizer de São Paulo (Ef. 5, 32). O homem e a mulher, unidos pelo matrimônio, são "dois numa só carne" (Gen. 2, 24 e Mt. 19, 6), tendendo, pela fidelidade à graça sacramental a tornarem-se um só coração e uma só alma, numa união que tem por símbolo e modelo a de Cristo com a sua Igreja.

No seu opúsculo De bono conjugali, enumera Santo Agostinho os bens do casamento cristão reproduzida por Pio XI na memorável Encíclica Casti connubii. Essa enumeração mostra-nos o direito cristão a confirmar e aperfeiçoar o direito natural. Proles, fides, sacramentum são os três bens da família constituída pelo casamento cristão. Os dois primeiros bens, prole e fidelidade conjugal, correspondem ao fim principal e aos fins secundários do matrimonio conforme a própria lei natural. E o terceiro representa o aperfeiçoamento do estado matrimonial depois da vinda de Cristo: o sacramento confere aos esposos graças especiais para uma união mais completa entre ambos, que lhes seja fonte de santificação, e para uma educação mais perfeita dos filhos, permitindo assim a melhor realização dos fins do casamento.

Vimos, pois, o contrato transfigurado no contrato-sacramento; o direito cristão cristão fortalecendo e sublimando o direito natural: a graça aperfeiçoando a natureza. 

A COMUNIDADE FAMILIAR

Sociedade natural, simples e completa, assim se nos apresenta a família como "célula social", expressão corrente e bastante sugestiva para indicar a relevância da família na sociedade civil.

Tal expressão é empregada, já se vê, por analogia metafórica, mas a analogia, no caso, é das mais procedentes. A célula é, no organismo, uma parcela natural, a última parcela em que se pode decompor um todo orgânico. Constitui um centro relativamente autônomo de vida, imperfeito porém, porque, para subsistir, requer energias vitais que circulam por todo o organismo. Mas estas energias, por sua vez, resultam do trabalho das células, assimilando os elementos necessários para a subsistência do ser vivo. Assim, cada uma das células é fonte da vida e da saúde para todo o corpo.

Sendo a sociedade um grande organismo moral, pode-se chamar a família de célula desse organismo. A família assegura à sociedade a continuidade orgânica, pela perpetuação do gênero humano, e assegura-lhe a continuidade moral, pela educação da prole.

Como vemos, a analogia da família com a célula pressupõe uma outra analogia, muito usual entre os sociólogos, a do todo social com o orgânico. Podemos admitir este paralelo sem cair no erro do organicismo e sem perder de vista que na sociedade há uma unidade de ordem e não unidade substancial.

Como a célula, na ordem biológica, é a unidade fundamental, parte integrante de um organismo, e última parcela de vida, assim também a família, na sociedade global, é a unidade natural e simples que constitui o núcleo fundamental da mesma. Natural, porque corresponde a uma inclinação natural do ser humano. Simples, porque não se pode decompor em outras sociedades menores. A sociedade conjugal é a sociedade de pais e filhos formam uma só comunidade. Além disso, a sociedade é simples como nenhuma outra sociedade o pode ser, pois nela os "sócios" vivem não apenas associados, mas identificados por uma comunidade de vida tal que, mesmo biologicamente e sobretudo afetivamente, os membros formam a mais perfeita unidade social.

Cabe a propósito evocar a distinção feita por Tönnies entre "sociedade" (Gesellschaft) e "comunidade" (Gemeinschaft). A primeira resulta de vínculos de tipo contratual. A comunidade implica uma vivência social mais profunda, sendo este o caso da família e também da nação, que é uma grande família histórica.

Voltando ao confronto da família com a célula, cumpre acrescentar que a célula não passa de uma parte do organismo vivo, enquanto a família é um organismo completo, visando à perfeição social do homem na sua totalidade, isto é, todos os bens da natureza humana, bens que a sociedade deve ajudar cada indivíduo a conseguir na ordem física, intelectual e moral. Por isso mesmo, a autonomia da família como centro de atividade social é muito maior que a da célula como centro de atividade biológica, daí resultando os direitos naturais da família em face do Estado. Inserindo-se no plano do espiritual e do temporal, a família ordena o homem para o bem de sua natureza de maneira muito mais completa que o Estado, cuja ação se faz sentir somente na ordem temporal. Donde o dizer o Código Social de Malines: "a família é a fonte em que se recebe a vida, a primeira escola em que se aprende a pensar, o primeiro templo em que se aprende a rezar". As funções sociais da família aí se acham devidamente discriminadas: função biológica, função pedagógica, função moral e religiosa. A família abrange o homem total, corpo e alma, como não faz nem pode fazer o Estado.

À família cabem ainda uma função econômica e uma função política. Pela primeira, ela se nos apresenta como unidade de produção e de consumo. No regime artesanal e na pequena indústria que precedeu o moderno capitalismo industrial, sua importância enquanto unidade de produção era muito maior, começando a declinar até desaparecer por completo após o aparecimento da máquina. Continua, porém, a desempenhar papel primordial enquanto unidade de consumo. Da mesma forma, a função política da família tem deixado de ser exercida nas condições e circunstâncias dos povos modernos, desde que o individualismo liberal começou a desagregar as sociedades, preparando caminho para uma centralização estatal e para o totalitarismo.

A missão do Estado é proporcionar as condições externas para o bem temporal dos indivíduos reunidos em sociedade. A família atua muito mais eficaz e profundamente sobre cada um de nós, pois  lhe compete promover o pleno desenvolvimento da personalidade e integrar o homem na vida social, proporcionando-lhe também os elementos básicos imprescindíveis para a sua formação cívica.

Nesse sentido, tem a família uma sociabilidade muito mais perfeita que o Estado. Se a este se aplica o conceito aristotélico tomista de communitas perfecta, é no concernente à suficiência dos bens necessários para a vida. Aristóteles tinha diante si o exemplo da cidade grega - a polis - que, além de poder realizar por si mesma o seu próprio fim e de atender às próprias necessidades com recursos próprios, vinha completar os agrupamentos menores nela reunidos, proporcionando-lhes condições necessárias à manutenção da existência e ao bem-estar de todos. Tratava-se da ideia de "autarquia" segundo a concepção do Estagirita,isto é, de uma sociedade que subsiste por si mesma com governo próprio e suficiência de recursos.

O Estado é, pois, sociedade perfeita no sentido de completar a tendência natural do homem para a vida em sociedade. A sociabilidade aí está plenamente realizada, donde a expressão communitas perfecta. Quanto à perfeição dos vínculos sociais, porém, isto é, a sua força unitiva, o entrosamento dos membros da comunidade, a coesão profunda do grupo então a família é indiscutivelmente mais perfeita que a sociedade política em qualquer de suas formas, abrangendo a dos Estados na atualidade.

Para concluir, nada melhor do que estas palavras do Santo Padre João Paulo II, realçando o caráter comunitário da família, em discurso aos participantes do Congresso sobre a Pastoral da Família, reunido em Roma, palavras pronunciadas a 5 de maio do corrente ano [1979] e transcritas no Osservatore Romano

"Num mundo em que parece diminuir a função basilar de muitas instituições, e a qualidade da vida sobretudo urbana se deteriora de modo impressionante, a família pode e deve tornar-se um lugar de serenidade autêntica e de crescimento harmonioso; e isto, não para se isolar em forma de auto-suficiência orgulhosa, mas para oferecer ao mundo um testemunho luminoso de quanto é possível a recuperação e a promoção integral do homem, se esta tem como ponto de partida e de referência a sã vitalidade da célula primária do tecido civil e eclesial 
É necessário, por conseguinte, que a família cristã se transforme cada vez mais numa comunidade de amor, tal que permita superar, na fidelidade e na concórdia, as inevitáveis provas que derivam das preocupações quotidianas; numa comunidade de vida, para dar origem e cultivar alegremente novas e preciosas existências humanas à imagem de Deus; numa comunidade de graça, que faça constantemente de Nosso Senhor Jesus Cristo o próprio centro de gravidade e o próprio ponto de força, de modo que fecunde os compromissos de cada um e adquira sempre novo vigor no caminho de todos os dias".
O cunho comunitário da família transcende, pois, os limites da sociedade civil e do temporal, protegendo-se na ordem espiritual e na constituição da Igreja. A sociedade civil é uma reunião de famílias e não de indivíduos soltos. E a Igreja, sendo, enquanto Corpo Místico, união das almas na comunhão dos santos, institucionalmente considerada tem nas famílias as suas verdadeiras comunidades de base. 

Finalizando, recordemos com filial acatamento mais estas palavras do Santo Padre João Paulo II, em Jasna Gora, quando da visita do Sumo Pontífice à sua pátria polonesa: "A família é a primeira e fundamental comunidade humana".

Obra de Esteban Murillo (1665-1670), retratando o casamento entre a Santíssima Virgem Maria e São José


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Economia liberal X Economia católica

Breve comparação feita pelo político e filósofo espanhol Juan Vázquez de Mella y Fanjul, retirada e traduzida do discurso pronunciado em 23 de abril de 1903 no Teatro Trívoli de Barcelona*

 





Juan Vázquez de Mella y Fanjul

O que resta em pé daquela economia miserável que só serviu para produzir catástrofes? Essa economia diz que o capital não é mais que o produto destinado a uma nova produção, quer dizer, um efeito destinado a ser causa que, portanto, necessita de uma causa anterior, que não podia ser ele mesmo, posto que ninguém se dá o ser que não tem; o que prova, ademais, que há riqueza que constitui capital que não é produto, porque não é obra do trabalho dos homens, mas da natureza.

Essa economia diz que o trabalho é uma mercadoria que se regula, como as demais, pela lei da oferta e da demanda; e a economia social católica contesta: não; o trabalho, como exercício da atividade de uma pessoa, não é uma simples força mecânica, é uma obra humana que, como todas, deve ser regulada pela lei moral e jurídica, que está acima de todas as regras econômicas. 

Essa economia diz que o contrato de trabalho é assunto exclusivamente privado, que só interessa aos contratantes, e a economia católica contesta: não; o contrato de trabalho é diretamente social por seus resultados, que podem transcender à ordem pública e social, e a hierarquia de poderes da sociedade - e não somente o Estado, que é o mais alto, mas não o único poder - tem, em certos casos, o dever de regulá-lo. 

A economia liberal diz que o principal problema é o da produção de riqueza, e a economia católica contesta: não; o principal problema não consiste em produzir muito, mas em repartir bem, e por isso a produção é um meio e a partilha equitativa um fim, e é inverter a ordem subordinar o fim ao meio, ao invés do meio ao fim.

A economia liberal diz: existem leis econômicas naturais, como as da oferta e da demanda, e nas quais, não intervindo o Estado para alterá-las, deduz-se de si mesmas a harmonia de todos os interesses. A economia social católica contesta: não existem leis naturais que imperam na ordem econômica à semelhança das que regem o mundo material, porque a ordem econômica, como tudo o que se refere ao homem, está subordinada à moral, que não se cumpre fatal, mas livremente; e não se podem harmonizar os interesses, se antes não harmonizam-se as paixões que os impulsionam; e a oferta e demanda não é, tampouco, uma lei natural, porque nem sequer é lei, já que é uma relação perpetuamente variável, como são seus extremos, e a lei encontra-se na relação entre as causas que produzem as mudanças, e não no resultado.

A economia liberal diz: a liberdade econômica é a panaceia de todos os males, e a livre concorrência deve ser a lei suprema da ordem econômica. E a economia social católica contesta: não; o circo da livre concorrência, onde lutam os atletas com os anêmicos, é o combate no qual perecem os débeis esmagados pelos fortes. Para que essa contenda não seja injusta, é necessário que os combatentes lutem com paridade de armas e, para isso, é preciso que os indivíduos não fiquem dispersos e desagregados, mas unidos e agrupados em corporações e na classe, para que sejam como suas cidadelas e muralhas protetoras, para que a força de alguns e o poder do Estado não os esmague. 

A antiga economia liberal diz, referindo-se ao Estado em suas relações com a ordem econômica: deixai fazer, deixai passar. E a economia católica contesta: não; essa regra não se praticou jamais na História. Os mesmos que a proclamaram nunca a praticaram; e é um erro frequente crer nisso, no qual incorreram muitos e, entre eles, sábios publicistas católicos, por não terem reparado que a antiga sociedade cristã estava organizada espontaneamente, e não pelo Estado. Aquela sociedade havia estabelecido sua ordem econômica não a priori e conforme um plano idealista, mas segundo suas necessidades e condições; e, quando o individualismo encontrou-se com uma sociedade organizada de acordo com princípios contrários aos seus, proclamou a tese de que não era lícito intervir na ordem econômica, o que significou precisamente intervir para derrubar o que existia por meio de uma intervenção negativa, que consistiu em romper um a um todos os vínculos da hierarquia de classes e corporações que lenta e trabalhosamente haviam levantado os séculos e as gerações crentes. Qual intervenção é maior que romper, uma a uma, as articulações do corpo social e desagregá-lo e reduzi-lo a átomos dispersos, para dar-lhe, apesar de si mesmo, a liberdade da poeira, de modo que ele se mova em todas as direções de acordo com os ventos que sopram no topo do Estado?

Cartão postal baseado na obra L'Angélus, de Jean-François Millet (1857-59), retrata dois camponeses parando os trabalhos para rezar a famosa oração da Cristandade. O capitalismo afastou o homem do contato com Deus e com a sua família, fazendo-o trabalhar mais, alterando seus objetivos: não mais o acúmulo das riquezas eternas, mas da riqueza terrena.

*Alguns tempos verbais foram alterados, assim como a ordem de poucas orações, para dar maior inteligibilidade ao texto.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Instrução espiritual acerca da morte

Escrita por São Thomas More enquanto estava na prisão na Torre de Londres, em 1534 

Capela dos Crânios em Czermna, Polônia (1776)

Quem salvar a sua vida de um modo que ofenda a Deus, muito em breve chegará a odiá-la. Pois se dessa forma salvares a tua vida, aborrecê-la-á com tal ódio no dia seguinte que te entristecerá que a morte não te tenha levado um dia antes. Que hás de morrer, é algo de que sem dúvida alguma te lembrarás: mas como ou quando, não o sabes de modo algum. Razão tens para temer, não seja que depois desses adiamentos se sigam os tormentos sem fim no inferno, onde os homens desejarão morrer e a morte fugirá deles [cfr. Apoc 9, 6]; ao passo que, ao sofrimento da morte que tanto aborreces, ter-se-iam seguido sem nenhuma dúvida as alegrias do céu. 

Que insensatez é esta de pretender evitar a morte temporal para cair numa morte que dura para sempre? E, para cúmulo, não escaparás da temporal senão por algum tempo: é mero adiamento. Por acaso pensas que, se escapares agora da morte, já a terás vencido para sempre? Ou julgas talvez que morrerás, sim, noutro momento, mas sem dor? Pelo contrário, pode ser que te aconteça aquilo que aconteceu com aquele homem rico que prometia a si mesmo uma vida muito longa; Cristo recordou-lhe: “Insensato, nesta mesma noite virão buscar a tua vida” [cfr. Lc 12, 20]. 

Além disso, sabes com certeza que um dia terás de morrer, e também que não podes ter uma vida longuíssima, pois a vida do homem sobre a terra é muito breve. Finalmente, suponho que não duvidas de que, quando chegar o momento em que estiveres doente e acamado, começarás a sentir as angústias da morte que se aproxima e desejarás que, pela salvação da tua alma, tivesses padecido uma morte cruel e terrível muito antes. Não há razão, portanto, para temeres tão desesperadamente que aconteça aquilo que, como sabes muito bem, um pouco mais tarde desejarias que tivesse acontecido antes. 

Os que padecem pela vontade de Deus, que recomendem as suas almas ao seu fiel Criador [cfr; 1 Pe 4, 19]. Queridíssimos, quando Deus vos provar com o fogo das tribulações, não estranheis, como se vos acontecesse uma coisa muito extraordinária; antes, alegrai-vos por participardes da paixão de Cristo, para que, quando se revelar a sua glória, vós vos alegreis também com Ele cheios de júbilo [cfr; 1 Pe 4, 12-13]. Deveriam envergonhar-se os homens bons de serem mais timoratos em fazer o bem do que os homens maus em fazer o mal. Não seria impossível ouvir um ladrão dizer sem hesitação que seria um covarde quem vacilasse em sofrer meia hora pendurado, se depois pudesse viver sete anos de prazer e desafogo. E que vergonha seria então para um homem cristão perder a vida e a felicidade eternas, só para não padecer uma morte rápida antes do tempo! Sabendo, além disso, e muito bem, que há de sofrê-la de uma forma ou de outra, e dentro em pouco, e que, a não ser que se arrependa a tempo, imediatamente depois da sua morte temporal cairá na morte eterna, muito mais horrível do que qualquer outra morte. 

Se o ser humano pudesse ver um desses demônios que em grande número nos vigiam diariamente, desejando atormentar-nos para sempre no inferno, bastaria o medo desse único diabo para não dar nenhuma importância a todas as ameaças mais terríveis que se possam imaginar. E muito menos lhe importariam, se pudesse contemplar os céus abertos e Jesus ali sentado, como o viu o bem-aventurado Estevão [cfr. At 7, 55-56] 

O vosso inimigo, o diabo, anda girando ao vosso redor como um leão que ruge, em busca de uma presa que devorar [cfr. 1 Pe 5, 8]. Bernardo [Sermão XIII, sobre o Sl 90] diz: Agradeço humildemente ao grande leão da tribo de Judá; bem pode rugir esse outro leão, mas não pode morder-me. Por mais que nos ameace, não sejamos tão covardes que só pelos seus rugidos caiamos prostrados ao chão. Seria de verdade um animal e desprovido de inteligência que fosse tão pusilânime que se entregasse só por medo, ou que ficasse tão desconcertado com a vã imaginação das dores que talvez tenha de sofrer que, ao simples toque da trombeta, ainda antes de começar a batalha, já estivesse vencido por completo. Porque ainda não resististes até derramar o sangue [cfr. Hebr 12, 4], diz aquele valente capitão que bem sabia que os rugidos desse leão não eram coisa de que se chegasse a morrer. E outro diz: Resisti ao diabo e fugirá de vós [cfr. Ti 4, 7]. Resisti-lhe firmes na fé [cfr. 1 Pe 5, 9]. 

Aqueles que, tendo abandonado a esperança em Deus, vão em busca de auxílio nos homens, hão de perder-se, como advertiu Isaías (cap. 31). Assim pereceu o rei Saul que, por não ter recebido imediatamente o que era do seu agrado, impaciente, murmurando e desesperando de Deus, acabou por buscar o conselho de uma feiticeira, ele que havia decretado com edito público que todas as feiticeiras deviam ser castigadas [cfr. 1 Re 28, 2-25]. 

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Diretrizes para o católico sob o governo Jair Bolsonaro

Em meio ao otimismo exacerbado dos neoconservadores e do medo histérico e coletivo da esquerda, sigamos a Igreja, nossa Mãe e Mestra


Bolsonaro visitou o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, no dia 17 de outubro e firmou compromisso com os valores católicos

No último domingo (28), dia de Cristo Rei no calendário litúrgico tradicional, o Brasil assistiu, tenso, uma histórica eleição. De um lado, Jair Bolsonaro (PSL), candidato sem o apoio da grande mídia, achincalhado pela esquerda, com poucos recursos financeiros para bancar a campanha, reforçando os valores da família, da vida, da propriedade privada, da subsidiariedade - “mais Brasil, menos Brasília” – e falando sobre Deus acima de tudo. Do outro lado, Fernando Haddad (PT), com um plano de governo bolivariano, totalitário, destruidor da família, aniquilador da vida humana pela promoção do aborto, louvado como tolerante e sob as aparências de bom moço. 

As urnas deram a vitória ao primeiro, acabando com a hegemonia da esquerda no poder que já durava décadas, numa falsa alternância entre a centro-esquerda social-democrata PSDBista e a esquerda populista petista. Os revolucionários reagiram com a histeria de sempre: “vai ter luta, seremos resistência!”. Aparentemente, o sistema democrático só é saudável e bom se elege alguém alinhado às suas ideologias pérfidas. 

O brasileiro, povo cujo conservadorismo católico e ibérico ainda está moribundo, aos poucos desperta. Entretanto, observando a euforia dos setores mais à direita e a histeria daqueles à esquerda, decidi escrever o artigo presente, destinado aos irmãos de fé, mas certamente não desprezível aos demais, a fim de apontar e ponderar fatos que passam despercebidos em momentos de apaixonado calor político. 

Em primeiro lugar, é preciso considerar que a esquerda obteve algum sucesso eleitoral: 47 milhões de votos, governadores no Nordeste, a maior bancada da Câmara (PT). Em geral, vimos o establishment seriamente prejudicado após a votação; mas é fato que a esquerda atrapalhará o novo presidente de todas as formas possíveis, com audácia e utilizando-se de variados artifícios. Além do mais, vemos hoje a formação da esquerda do futuro, representada em grande parte pelo PSB e pelo PDT, ambos integrantes do Foro de São Paulo. 

Em segundo lugar, muitos atribuem o fenômeno Bolsonaro a um ou outro personagem, idolatrando líderes que, apesar do papel que desempenharam, estão um tanto distantes do que a Doutrina da Igreja, social, econômica e politicamente falando, prega, e estão igualmente distantes da realidade histórica e sociológica do Brasil, inspirando-se num conservadorismo anglo-saxão que é, em inúmeros pontos, diametralmente oposto às nossas raízes católicas e lusas. 

Em terceiro lugar, faz-se necessário dizer que Bolsonaro está cercado por liberais e maçons. Se o comunismo foi veementemente condenado pelos papas, o liberalismo e maçonaria também foram, e de maneira clara: Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, São Pio X o fizeram através de numerosas encíclicas; diversos prelados e sacerdotes, como o pe. Henri Delassus e pe. Félix Sardá y Salvany, escreveram obras magistrais sobre o tema, além de inúmeros leigos de boa reputação. Convenientemente, boa parte da direita dita católica parece olvidá-los. 

É verdade que o governo Bolsonaro possivelmente dará mais espaço aos católicos, ainda que sob os auspícios liberais. O que os católicos fiéis à Sã Doutrina devem fazer para aproveitar a oportunidade, sem caírem na cegueira demasiadamente otimista ou na histeria? Trago abaixo meras sugestões de ação. 

Antes de qualquer coisa, o católico deve estar consciente de que a oração e a vida espiritual são anteriores à atitude exterior. Somos meros instrumentos de Deus e devemos estar unidos à Sua Santa Vontade, o melhor que pudermos. Decerto a batalha de Lepanto teria um resultado catastrófico se a armada católica tivesse confiado mais em suas próprias forças que em Deus, através do Santo Rosário. Mais ainda: a corrupção de um dos membros do corpo é prejudicial ao todo; a mão é deficiente se lhe falta um dedo, ou se o mesmo tem suas funções reduzidas por ferimentos. Assim, a vida na graça é essencial. Comecemos a transformação do país pela transformação de nós mesmos, pois, mais que uma crise política e econômica, passamos por uma crise moral, verdadeira crise de santos. 

Devemos manter a vigilância, primeiramente interna, para evitar a confusão que o pecado causa na alma, tal qual o navio em mar tempestuoso. Externamente, a vigilância se dará no combate às mentiras. Os inimigos da Fé e da Pátria nunca descansam. Uma ilustração disso é a insistência no tocante ao aborto pelas mais distintas vias, especialmente a judiciária. A eleição está ganha, mas a guerra perdura: a esquerda precisa ser respondida sem subestimá-la, nem sempre com chavões e piadas, mas com a inteligência e obras profundas, e os liberais, num futuro não muito distante, também necessitarão de contraponto. O país precisa de uma elite intelectual católica que conheça seus inimigos, e mais: que conheça o Brasil. Ademais, são as elites que governam as nações. 

Assim, cabe ao católico já firme na fé estudar a doutrina comunista e a liberal, conhecendo o modus operandi de ambas, tendo em mente que o liberalismo conquista espaço nas leis e na sociedade por um movimento por vezes imperceptível, alterando seu propósito conforme o nível de degradação daquele povo: da separação Igreja X Estado veio a separação Igreja X família e agora Igreja X indivíduo; do casamento como mero contrato veio o divórcio e a posterior aceitação da união homossexual; da liberação de meios anticoncepcionais artificiais veio a liberação do aborto; etc. Também importa ao católico brasileiro estudar seu próprio país, sua história e sua cultura. Há bons autores que caíram no quase esquecimento, entre eles José Pedro Galvão de Sousa e João Camillo de Oliveira Torres. 

Cabe igualmente aos católicos, especialmente aos representantes eleitos e aos integrantes dos vários centros formados e em formação, aproximar as propostas inspiradas no ensinamento da Igreja das figuras públicas, a fim de influenciar diretamente o governo. Não podemos ser apáticos, como alguns quiseram ser no período eleitoral, abstendo-se do apoio ao mal menor. Além disso, como o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo depende de uma estrutura com base sólida para atingir o topo posteriormente, é necessário pensar em iniciativas de catequização do povo, ludibriado por um clero em larga medida conivente com a destruição das almas, para que conheça a Sã Doutrina, e colocá-las em prática desde logo. 

Tenhamos sempre em mente que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei e devemos dar o que Lhe pertence por direito, como Criador de todas as coisas, sendo Homem-Deus, e por conquista, uma vez que resgatou-nos pelo Seu Preciosíssimo Sangue. Não é, portanto, a construção de uma situação nova e que os inimigos chamam de utópica, mas o justíssimo reconhecimento do que já existe. Animados pela confiança inabalável na Santíssima Virgem de Aparecida, padroeira da nossa amada nação, não cansemos de lutar pelos direitos de Deus em um mundo cada vez mais inundado de laicismo e das falsas liberdades e falsos direitos do homem. 

P. S.: Não nos esqueçamos de, assim como rezamos pela derrota do mal iminente nas eleições, colocar dia após dia em nossas preces o novo governante do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e todos os demais parlamentares e governantes eleitos.



domingo, 28 de outubro de 2018

Para que Cristo reine

Artigo do mártir e beato cristero Anacleto González Flores sobre a Festa de Cristo Rei


Hoje é celebrada em todo o mundo católico a festa de Cristo Rei. Essa festa foi estabelecida para que Cristo volte a reinar totalmente na vida pública e social dos povos; porque os defensores do laicismo vêm trabalhando há mais ou menos três séculos para suprimir Cristo da vida pública e social das nações. E, desgraçadamente, têm avançado muito, até o ponto de as legislações, os governos e as instituições dos povos se absterem de reconhecer a supremacia de Cristo.

De uma maneira especial, o laicismo tem alcançado em nosso país fortes e grandes vitórias. [O México, na época, após um longo período de revoluções de esquerda, era liderado pelo presidente Plutarco Calles, um laicista convicto, aliado da maçonaria e socialista. Ele criou uma legislação intransigente para com o clero e restringiu a liberdade religiosa dos católicos, levando estes a pegarem em armas na Guerra Cristera].

Afastaram Cristo das leis, das escolas, dos parlamentos, das cátedras, da imprensa, da via pública, em uma palavra, de todos os pontos dominantes da vida pública e social. E trata-se de restabelecer, hoje, o reinado público de Cristo, sobre os despojos do laicismo totalmente fracassado como sistema de vida, de política, de governo e de orientação para os povos.

A importância da festa de Cristo Rei não está somente em proclamar – como será feito – Cristo como Rei Soberano da vida pública e social. Não, porque se a proclamação da realeza de Cristo é algo extremamente importante, mais importante ainda é que nós católicos entendamos as nossas responsabilidades ante o reinado de Cristo.

Porque Cristo não necessita de nós para fundar seu reino e para expandi-lo por todo o mundo; mas se não necessita de nós nem de nossas vidas, deseja, porém, estabelecer seu reinado por meio de nossos esforços, das nossas lutas e das nossas batalhas. E isto deve ser enfatizado hoje, porque se os católicos continuarmos desorientados nesse ponto, correremos o perigo de que jamais se estabeleça o reinado de Cristo em nossa Pátria.

Devemos, pois, entender que Deus, que Cristo pede, exige, quer que cada um de nós, na medida de suas forças, trabalhe veementemente para estabelecer Seu reinado na vida pública, e se continuarmos acastelados em nossas igrejas e em nossos lares, não conseguiremos isso.

O reinado público de Cristo exige que nós, católicos, façamos sentir a ação do nosso pensamento, da nossa palavra, da nossa caneta, dos nossos trabalhos de organização e propaganda. E isso deve ser feito na vida pública, em pleno sol, em plena via pública, em todas as direções; e deve ser feito por todos.

Porque todos, absolutamente todos os católicos, podemos e devemos fazer algo para restabelecer o reinado de Cristo; uns de uma forma, outros de outra; uns com seu talento, outros com seu esforço; mas todos devemos procurar desde hoje fazer algo sério, constante e coordenado pelo restabelecimento do reinado público de Cristo.

Hoje proclamamo-lo Rei, reconhecemo-lo como Rei; mas precisamos jurar que deixaremos nossas velhas atitudes de múmias de sacristia e de mortos-vivos em nossos lares, e que a partir deste dia glorioso faremos com que todas as forças católicas desemboquem na via pública para que Cristo reine na imprensa, no livro, na escola, nas organizações, nas instituições, em uma palavra: no meio do coração do povo e no meio de todas as correntes da nossa vida pública e social.


+ CHRISTUS VINCIT, CHRISTUS REGNAT, CHRISTUS IMPERAT! VIVA CRISTO REI! +



quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O que é patriotismo?

Definição extraída do Dicionário de Política, por José Pedro Galvão de Sousa, Clóvis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho

É o amor à Pátria.

Brota espontaneamente e é ditado pela lei natural. Ama -se a Pátria na mesma linha do amor à própria família. Porque nela palpitam sentimentos comuns traduzidos em laços que prendem as pessoas por habitarem o mesmo chão, falarem a mesma língua, defenderem a mesma cultura, viverem a mesma história. Todo um patrimônio espiritual, constituído pelas gerações que se vão sucedendo, toma a Pátria um lar comum, onde as lutas, as dores, as alegrias, testemunham um amor em que se mesclam respeito e veneração, gratidão e sacrifício, dedicação e imolação. Prolongamento da família, a Pátria fraterniza as pessoas, que sentem, mais do que percebem, a importância de manter vivo o ideal de assegurar, proteger e engrandecer a terra do próprio nascimento, onde se pode sonhar e pugnar por viver com dignidade. Na defesa desse ideal, o amor à Pátria chega ao extremo do holocausto da própria vida. 

No 2º século do Brasil, a Pátria nascente fremia no peito daqueles combatentes - brancos, negros e índios - que, ao canto da "Salve Rainha", enfrentavam o invasor holandês, usurpador da terra e da Fé, na Bahia e em Pernambuco. É a Pátria que ilumina, rege e dignifica a carreira das armas, fazendo do patriotismo a virtude maior do militar. 


Batalha dos Guararapes (Victor Meirelles, 1875-79)


O amor à Pátria é vigilante, está atento às manifestações e à movimentação de seus inimigos. Dentre estes, o marxismo, quer na etapa medial socialista, quer na etapa final comunista, é o corrosivo mais eficaz do sentimento de pátria. Para o marxismo só existe a pátria ideológica, sendo as pátrias vivas meras reminiscências de elos familiares primitivos que devem ser destruídos para dar lugar ao internacionalismo. O individualismo e o anarquismo são duas facetas de um outro inimigo, o egocentrismo, que leva a instalar-se nos próprios apetites, e incapacita para ver e sentir o bem comum da Pátria. Inimigo é também o partidarismo, encharcado de voracidade pelo poder, ao sectarizar o patriotismo – que independe de facções - a fim de capitalizar forças com vistas a alcançar vitórias eleitorais. O amor à Pátria, por deitar raízes no essencial e perene, transcende os ideologismos, os egoísmos, os sectarismos. Funda-se a legitimidade do patriotismo em valores entroncados no ser do homem, que permanece imutável. Daí a perenidade do amor à Pátria, que em certos países da Europa parece morto, mas na verdade enlanguesce sob a mortalha do consumismo e do hedonismo, aguardando a hora de ressurgir. Porque, na verdade, tão natural é o amor à Pátria, que chegou a pungir no coração humano de Jesus Cristo, quando, contemplando Jerusalém, chorou ao antever-lhe a destruição. 

Leão XIII (Papa, de 1878 a 1903), na encíclica Sapientiae Christianae, afirma com todas as letras: 
"A lei natural ordena-nos que amemos com amor de predileção o país em que nascemos e nos educamos." 
E detalha Ramiro de Maeztu (1874-1936), a respeito do patriotismo: 
"É insuficiente o patriotismo que se refere apenas à terra e aos compatriotas, embora seja muito proveitoso estimulá-lo quanto possível. Será coisa excelente que os homens se enterneçam com a lembrança da paisagem natal, acreditem serem as mulheres de sua terra as mais belas do mundo, ponham toda a confiança na honradez e virtudes de seus patrícios, estejam certos de não haver alimentos comparáveis aos de sua região. Também são valores os valores biológicos, que contribuem para a felicidade dos povos. Poder-se-á mesmo dizer que com a consciência de tais valores se forma o patriotismo da pátria pequena, da terra natal. Mas o que forma a pátria única é · um nexo, uma comunidade espiritual, que se torna, ao mesmo tempo, um valor de História Universal" (Defensa de la Hispanidad, Madrid, 2ª ed., 1935, p. 235). 
Comum, entre os espanhóis, é a expressão patria chica, pátria pequena, "patriazinha" - como se encontra no texto de Maeztu – para significar o lugar, o povoado, a cidade, a província, a região, onde se nasce. Na verdade, a germinação primeira de afetividade ocorre e se desenvolve na convivência inicial com vizinhos e avizinhados, num torrão pequeno. É o amor à "pátria pequena", que se amplia, depois, envolvendo a "pátria grande". 

Não há confundir patriotismo com chauvinismo, que o deforma. ao promover uma exaltação desmedida de tudo quanto se refere à própria pátria, apoucando e menosprezando o que concerne às demais. Como o amor à pátria é inerente a todo homem, a sensatez manda respeitar as outras pátrias e o sentimento patriótico dos outros. Até mesmo porque o patriotismo não exclui o universalismo, que implica procurar caminhos de fraternização que levem as pessoas a cooperar na dignificação da vida humana em todos os quadrantes.

sábado, 29 de setembro de 2018

Os católicos de hoje

Artigo atualíssimo do Beato Anacleto González Flores (1888 - 1927), mártir cristero, publicado no semanário católico-social La Palabra, em 5 de maio de 1918. 




Se fosse necessário traçar um quadro que revelasse mais ou menos a fisionomia dos católicos de hoje, seríamos obrigados a dizer que são pessoas que, em sua maioria, têm se despojado do elemento essencial da vida cristã, para ficar com apenas algumas manifestações externas, que quase sempre se cumprem mais por rotina do que por qualquer outra coisa. Assistem ao santo sacrifício da Missa mais pelo fato de ser um costume longamente enraizado; e vez ou outra vão à confissão ou comungam para não contrariar abertamente a mãe ou a namorada, e fora desses atos religiosos que nada valem, por causa do espírito com que são praticados, não fazem outra coisa senão procurar diversão e consagrar principalmente os dias destinados a Deus ao maior número de deleites. 

Assim, quase todos os católicos de hoje levam uma vida praticamente pagã. Relegaram ao esquecimento aquilo que é fundamental no Cristianismo (o amor a Deus e o amor ao próximo) para ficar com algumas quantas fórmulas que, por carecerem do substancial, não têm valor nem significação alguma. Ser católico é ser discípulo Daquele que passou pelo mundo fazendo o bem e consagrando todos os instantes de sua vida mortal a amar a Deus a ajudar os demais. Isso é ser católico não só de palavra, mas de verdade. De fato, isso é o cumprimento religioso da nossa missão com homens e como cristãos.

É por isso que, se os católicos de hoje querem merecer esse nome, devem começar por deixar de fazer os grandes males que estão fazendo com seu exemplo, porque é claro que, se o exemplo dos ímpios e dos inimigos da verdade é demolidor, com maior razão o será o dos que se dizem filhos fiéis da Igreja, mas, por causa de seus atos, acabam sendo modelos de corrupção e de iniquidade. Nada é tão frequente como encontrar pessoas que se jactam de ser católicos audazes e determinados, mas só de palavra, pois na primeira oportunidade vemo-los entrando em um cinema ou pagando para que almas sejam corrompidas, ou frequentando algum baile, de modo a pisotear o pudor, ou continuar ostentando, apesar das múltiplas exortações dos sacerdotes, trajes que não revelam outra coisa senão uma debilitação do sentido moral e grande falta de respeito para com a honestidade natural.

Por toda parte, vêem-se católicos degenerados rendendo homenagem suprema de adoração a Deus com a inteligência, mas escarnecendo Dele e pisoteando-O com seus atos, que são uma contradição viva das doutrinas que professam. E são esses os mesmos que se espantam com a perseguição da Igreja, com o ódio a Cristo, com as blasfêmias e com a impiedade que inunda tudo como um imenso rio que transborda; pois tenham claro que as gerações, por cima do influxo das ideias, são formadas a partir do contato entre os fatos e com o exemplo dos demais; portanto, se os católicos, muito longe de viver sua fé e de observá-la o mais estritamente possível em seus atos, continuarem, como têm feito até agora, agindo em oposição mais ou menos aberta a ela, com suas doutrinas e seu critério, continuarão sendo responsáveis pela profunda depravação que imobiliza nossa sociedade e que, se é resultado de más ideias, não deixa de sê-lo também dos exemplos corruptores.

Por ora, já que a desmoralização é tão grande, devemos ao menos nos esforçar resolutamente para deixar de fazer o mal e para não contribuir com a degeneração das massas, em razão de uma conduta corrompida. Comecemos com a não realização do espetáculo vergonhoso que é o viver pagãmente; tenhamos coragem suficiente para não ir a lugares onde a moral é pisoteada e os costumes são depravados. Quando estivermos fora de casa, procuremos fazer com que, por meio dos trajes e das relações sociais, seja refletida a doutrina salvadora do Cristianismo, ao menos para que não continuemos sendo responsáveis pela decadência da sociedade.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A independência que o Brasil precisa

"Uma nação não se perde porque uns a atacam, mas porque aqueles que a amam não a defendem." - Don Blas de Lezo y Olavarrieta.
Dia 7 de setembro é aquele fatídico dia em que grande parte dos brasileiros, mesmo aqueles que não se importam com a Pátria nos outros 364 dias do ano, chegando mesmo a odiá-la, ao menos tomam conhecimento de quais são as cores presentes na bandeira nacional, e talvez escutam nosso hino em algum desfile cívico. Em 1822, o Brasil separou-se do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, dando origem ao que seria, por menos de 70 anos, o Reino e posteriormente Império do Brasil, hoje desgraçadamente republicano, a partir do golpe de 1889. Mas o presente artigo está longe de ser um extenso estudo histórico, político e sociológico do país. Tratem-no como uma curta coletânea de pequenas considerações acerca da nossa nação, deixando de lado o nacionalismo barato e maléfico e trazendo à tona um patriotismo saudável, aninhado sob as asas da Verdadeira Religião. 

Ora, o subtítulo do artigo é o dito de um almirante espanhol. Qual o motivo? Para quem não o conhece, forneço alguns rápidos dados biográficos a respeito de Don Blas de Lezo: era basco, entrou para a Marinha com apenas 12 anos e passou as próximas quatro décadas de vida envolto em batalhas a serviço de sua Pátria, do Rei e, por conseguinte, de Deus. O Império Espanhol era, ainda que decadente nos conturbados séculos XVII e XVIII, o bastião da Cristandade. Blas foi ferido em combate vezes sem conta, perdendo um olho, uma perna, teve um braço completamente inutilizado, sua postura encurvou-se e por isso foi apelidado de medio-hombre de maneira depreciativa pelos inimigos. Chegou ao posto equivalente ao de Almirante e, com uma frota de apenas seis navios e alguns milhares de homens, enfrentou a maior invasão pelo mar até o Desembarque da Normandia, quando os ingleses e seus quase 200 barcos quiseram conquistar Cartagena e levar o Império Espanhol à bancarrota definitiva. Os anglicanos confeccionaram medalhas e moedas comemorativas antes do resultado final, pois a vitória era dada como certa. Ah, vão pensamento! Don Blas de Lezo venceu, heroicamente. E mais que ganhar a batalha, é provável que também ganhou o Céu, ao falecer na amizade com Deus naquele dia 7 de setembro de 1741. Foi esquecido, até mesmo em sua pátria. Nem ao menos se sabe ao certo onde estão seus restos mortais. Tal personagem certamente parece saído daquelas lendas nacionais fantásticas, ou dos filmes de Hollywood. Entretanto, ele existiu: o amor a Deus, em primeiro lugar, e à Pátria levou Don Blas a feitos heroicos, e sua frase encaixa-se perfeitamente no cenário nacional. Explicarei.

Os acontecimentos da última semana foram acentuadamente trágicos, com o incêndio no antigo Palácio Imperial, bastião de 200 anos de história e pesquisa, com um acervo que ultrapassava nossas fronteiras, chegando ao Antigo Egito e à Pré-História, e o atentado contra o presidenciável Jair Bolsonaro, opção de voto, ainda que longe de ser perfeita, para os milhões de católicos no país. Providencialmente, ele permanece vivo e em estágio de recuperação. Em ambos os casos vê-se a influência maligna do ideário esquerdista: o Museu estava sob a tutela da UFRJ, antro PSOLista. Dinheiro para exposições imorais e espetáculos de música degradante há, mas para a salvaguarda da memória nacional, não; no outro ocorrido, o criminoso que tentou assassinar Jair, Adelio Bispo de Oliveira, foi filiado a tal partido e, mesmo depois do afastamento, seguiu apoiando a liberdade de Lula, páginas leninistas, marxismo em geral: seu ato foi desejado por muitos, e o sadismo tomou conta dos escritórios, salas de aula, ruas e ambientes virtuais, onde os mesmos que se dizem contra a suposta "violência apregoada por Bolsonaro" zombaram, lamentaram que o óbito não se concretizou e duvidaram da veracidade do ataque por não enxergarem sangue. 

Que o socialismo fez e ainda faz um mal inenarrável ao Brasil, isso é um fato que qualquer um com boa-fé constatará se observar as últimas décadas. Derrotados militarmente pela revolução de 1964,  os partidários da esquerda imiscuíram-se nas escolas, universidades e mídia e conseguiram convencer  um número expressivo de militantes ativos e várias pessoas simples, através de uma linguagem repleta de promessas e migalhas de pão em troca de voto, e através da inveja, ira e avareza motivada pela visão do constante choque de classes da doutrina de Marx e a vontade niveladora, visando o fim das hierarquias e o igualitarismo total. Jogaram os negros contra os brancos, os filhos contra os pais, as mulheres contra os homens,  os alunos contra o professor, entre outros exemplos. São esses que, após incentivarem direta e indiretamente a subversão da desigualdade natural e da ordem criada e mantida por Deus sob o véu do bom mocismo, queixam-se a respeito do clima de instabilidade, ódio e acirramento das tensões, como se o próprio descontentamento social não estivesse relacionado a esse ataque violento, constante e literalmente corruptor ao brasileiro médio, de natureza pacífica, tradicionalmente ligado à religião e à família.

Entretanto, a mazela socialista não chegaria tão longe, e é provável que nem viesse à existência, se antes o liberalismo não preparasse o terreno, preparação essa que chegou no auge com a Revolução de 1789, derrubando o Rei e perseguindo a Igreja na França, os dois pilares que sustentavam a nação. Esse germe, já preparado por Locke, Rousseau, Voltaire e outros, penetrou nos principais países do mundo. Mesmo nossos monarcas e estadistas foram liberais, mantendo estreitas relações com a maçonaria em detrimento da Igreja: Dom Vital, bispo de Olinda, que o diga. O liberalismo deu origem ao sistema democrático moderno, eliminando as camadas intermediárias da sociedade entre o indivíduo e o Estado, agora laico, subvertendo sua significação e objetivo naturais e apartando a Pátria das suas raízes históricas através de um constitucionalismo de modelo americano. A própria Constituição de 1891 é profundamente baseada nos Estados Unidos. Desconsiderou-se nossa formação intrinsecamente municipalista, monárquica, lusitana, ibérica, latina e, acima de tudo, católica. Os índios e os negros, vistos hoje como explorados e oprimidos, aceitaram, em sua maioria, o catolicismo com devoção: os relatos mais antigos dos grandes catequizadores do Brasil e as confrarias de negros escravos e libertos, em Minas Gerais e outros estados, o comprovam. Negar tais raízes é negar o Brasil.

E é dessa independência que nossa nação precisa, tanto dos grilhões socialistas que agravaram o problema, a ponto de encontrarmos hoje uma multidão de jovens sem futuro, imersos em vícios que matam suas almas e em escolas decadentes que arrefecem sua inteligência, e uma multidão de vítimas de homicídio que somam a cifra impressionante de 60 mil (excluindo-se os desaparecidos e vítimas de outros crimes aviltantes), quanto do veneno liberal, que apartou a Pátria da Santa Cruz, veneno este que encontra-se arraigado em inúmeros círculos ditos conservadores e de direita, de matiz anglo-saxônica e que se entristece por não sermos colônia de piratas holandeses ou ingleses, laicista, utilizando-se da religião como mera ferramenta política, uma parte relativamente importante da cultura, e não como a Verdade que deve ser almejada por todo homem; olvidam-se de que o Estado tem a função de auxiliar a Igreja nesta tarefa, a espada temporal subordinada à espiritual, organizando a sociedade civil e respeitando o princípio de subsidiariedade, a autonomia da família, célula-mãe social, e de todos os organismos intermediários, associações e comunidades que decorrem da união das famílias. 

E como essa independência se dará? É necessário que os brasileiros tenham orgulho de sua história, não vergonha. Se amamos nosso país, devemos defendê-lo e, para defendê-lo, devemos conhecê-lo. O primeiro ato de grande porte celebrado neste solo foi a Santa Missa, em 26 de abril de 1500. Terra de Santa Cruz desde o princípio, reforçada pela aparição de Maria Santíssima em meio à simplicidade rural do começo do século XVIII. Herdeira de Covadonga, quando os visigodos cristãos venceram os muçulmanos invasores com o auxílio da Virgem, constituindo o Reino de Astúrias e iniciando a Reconquista. Herdeira de Ourique, quando Portugal formou-se do então Condado Portucalense por Dom Afonso Henriques, também com o auxílio dos céus. Nossa nação, já forjada com a alma apostólica e desbravadora de São José de Anchieta, de Manuel da Nóbrega, dos  navegadores portugueses que arriscavam suas vidas no mar revolto e rumo ao desconhecido, dos bandeirantes que adentravam as selvas mais fechadas, precisa voltar ao seio protetor da Santa Igreja, construtora e protetora da civilização. É somente com a adoração do coração de cada um de nós a Nosso Senhor Jesus Cristo, e com o consequente Reinado Social que daí decorre nas escolas, nas instituições, nas leis, na mídia, no governo, publicamente anunciado e sem escrúpulos, que o Brasil terá a tão almejada ordem e progresso. E cabe a nós, que temos amplo acesso à cultura, levar esse Brasil moribundo, mas curável, observável de maneira sutil na humildade dos rincões do país, onde a loucura moderna e urbana pouco penetrou, à luz novamente. 





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