For God So Loved the World, de Simon Dewey |
"Não havia lugar para eles" (Lc. 2, 7). É isso que lemos no Evangelho, tratando-se do nascimento do Salvador do gênero humano. Como nos recorda o Credo Niceno-Constantinopolitano, eis o "Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por quem todas as coisas foram feitas" desde toda a Eternidade. Mesmo o mais amplo, adornado e rico palácio terrestre, cercado com as mais opulentas torres e os mais verdejantes e floridos jardins, seriam infinitamente indignos para recebê-lO com a mais ligeira deferência.
Quis Ele nascer, porém, na árida e fria Judeia, num recôndito esquecido do mundo conhecido pelos romanos, em meio às preocupações e aos percalços da viagem para o recenseamento ordenado por César. Ao menos escolheria uma estalagem, abrigado do relento e da brisa gélida daquela noite invernal? Não, estava ocupada, certamente por algum hóspede mais rico ou de maior prestígio aos olhos dos homens terrenos que a singela Sagrada Família, um Carpinteiro e uma Jovem Senhora montada sobre um burrinho.
Despercebido, em segundo plano: assim Jesus quis vir ao mundo pela primeira vez. Contentou-se com um pequeno estábulo para animais, que a Tradição descreve como uma gruta, timidamente preparada com o amor maternal de Maria Santíssima e de seu Castíssimo Esposo. Juntam-se as palhas, dentre aqueles que restam limpas entre as imundícies das bestas, e amaciam-se trapinhos para aquecer o Santo Menino. Veio ao mundo sob rocha Aquele que salvaria o mundo sobre rocha, no Calvário. "Veio para o que era seu, e os seus não O receberam" (Jo. 1, 11). Desde aí vê-se um fenômeno muitíssimo frequente no mundo e em nossas vidas: a rejeição a Deus.
Sim, é bem verdade que expulsaram Deus da vida pública: das escolas, dos tribunais e mesmo de muitos templos. Cristo é Rei por direito e por conquista, paga com lágrimas, trabalhos, suores, tristezas, amarguras, sofrimentos e Sangue, realidade reluzente negada constantemente pelos erros filosóficos de séculos a fio e, mais recentemente, adotada por grande parte da própria hierarquia da Igreja, como os morcegos que fogem do Sol. Mas, é absolutamente necessário falar sobre uma expulsão menos visível e particularmente própria a quase todos nós: aquela do velho Adão que, como uma vingança pela expulsão do Paraíso, enxota o Senhor do nosso coração através do pecado.
Até quando, amigos, veremos a frase "não havia lugar para Cristo" aplicada a nós? O que ocupa o nosso coração, senão Aquele que nos criou e nos redimiu com Seu Preciosíssimo Sangue? Na nossa humilde estrebaria, perto da qual aquela pequenina cova pareceria uma mansão, será que não estão hospedados os vícios, as paixões desordenadas, o desejo pela fama aos olhos do mundo, pelo prazer desenfreado que negocia a Eternidade por poucos minutos, pelo dinheiro que nada compra além daquilo que se tornará pó dentro em breve? Aliás, nós mesmos somos pó, e tornaremos a sê-lo (Gen. 3, 19).
Não, meus amigos! Já basta. É hora de dar ao Rei aquilo que Lhe pertence, sem reservas e mesquinharias,: nosso coração. Na familiar agitação desta noite, rezemos diante do Presépio com Santo Inácio de Loyola: “Recebei, Senhor, minha liberdade inteira. Recebei minha memória, inteligência e toda a minha vontade. Tudo que tenho e possuo, de Vós me veio. Tudo Vos devolvo e entrego sem reservas, para que Vossa vontade tudo governe. Dai-me somente o Vosso amor e a Vossa graça, e nada mais Vos peço, pois já serei bastante rico.”
Varramos as palhas velhas dos amores mundanos, as cinzas e o pó da nossa fé apagada para bem longe. Reformemos nosso casebre, teçamos novas vestes de brancura cristalina e maciez ímpar, acendamos a chama da caridade e acolhamos Nosso Senhor feito Menino, que se dá todo a nós para que nos déssemos todos a Ele, ainda que reconheçamos que não somos dignos de recebê-Lo em nossa morada, como bem disse o centurião (Mt. 8, 9). Como nosso esforço é de todo insuficiente para tarefa tão hercúlea, peçamos Àquela que primeiro preparou Seu Puríssimo Ventre e a pobre morada de Belém para que nos auxilie, sob a vigilância paternal de São José. Que tenhamos a graça de um dia dizer, como o Apóstolo, que Cristo realmente vive em nós (Gal. 2, 20).
Um Feliz e Santo Natal a todos os amigos e às suas famílias. Que a paz de Cristo – a única, verdadeira e insubstituível paz, tão recusada, rechaçada e pisoteada pelo mundo moderno e por nossos caprichos – se estenda como o manto da mais bela noite estrelada sobre os vossos lares e que, alimentados por Aquele que quis nascer sobre manjedoura, possamos um dia contemplar face a face a Deus Vivo e Verdadeiro na imorredoura alegria celeste. Venite adoremus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário