Mais um ano se encerra. 2018 anos desde a vinda de Cristo já se passaram. Há dois mil anos, o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem é ainda um simples carpinteiro na Palestina; aprende o ofício com seu pai, o justo São José. O maior Império da época tentará destruir os gérmens da Religião por Ele pregada, que cresce extraordinariamente no embalo das peregrinações dos “pescadores de homens”. Há mil e quinhentos anos, a Europa observa a ruína do mesmo Império que começara como uma pequena vila agropastoril no Lácio, e as hordas dos chamados bárbaros se apoderam dos seus territórios. Difícil missão trazê-los à Luz da Verdade, que alcança sucesso inimaginável. Há mil anos, ao passo que enfrenta os ataques e pilhagens de escandinavos e sarracenos, a Cristandade começa a tornar-se fato consumado graças ao empenho dos monges, restauradores da fé, da cultura e até mesmo da economia no Velho Continente.
Há quinhentos anos, a Revolução de Lutero abala a Europa, enquanto as Américas, bem como partes da África e Ásia, começam a receber a Luz da Boa Nova graças a duas pequenas nações que, não satisfeitas com o pequeno espaço que a Providência lhes reservara na Península Ibérica, navegam pelos oceanos e mares bravios com o auxílio da mesma Providência para conquistar mais que terras: almas, e aos milhões. Muito além das riquezas terrestres, acumularão riquezas no Céu. A própria Virgem Maria descerá ao Tepeyac e sua imagem aparecerá posteriormente no rio Paraíba, tornando-nos herdeiros daquela mesma Cristandade que se esfacelava diante do monge rebelde e seus asseclas.
Há dois séculos, o mundo experimenta, em diferentes graus e sob diferentes formas, os efeitos trágicos da Revolução liberal francesa, inspirada pelo enciclopedismo iluminista. Novamente, não faltam aqueles que se insurgem contra a nova ordem, verdadeira desordem, da sociedade: Alguns nobres, sacerdotes fiéis a Deus e ao rei e camponeses que preferem a liberdade e fraternidade concreta sob a égide cristã ao invés da criação abstrata revolucionária levantam-se nas regiões interioranas do noroeste francês. Há um século, o mundo vê horrorizado os primeiros desastres da Revolução Comunista na Rússia. A Igreja levanta-se, uma vez mais, contra o totalitarismo ateu e, décadas depois, contra a falsa oposição também totalitária, e pagã. Concomitantemente, ocorre o fim de uma guerra brutal que supostamente acabaria com todas as guerras. Vã ilusão de um mundo secularizado, destroçado pela filosofia moderna e seus múltiplos enganos: crer no primado da paz tendo expulsado o Príncipe da Paz.
Há meio século, a tecnologia avança como nunca: o mundo torna-se cada vez menor frente à velocidade das comunicações e dos transportes, o homem está prestes a visitar a Lua e a tensão da Guerra Fria faz-se presente. Na Igreja, modernistas e comunistas se infiltram e parecem, por vezes, triunfar. Mas Deus nos lembra da Sua Promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela” e homens fiéis à Tradição Católica combatem o inimigo com a coragem de leões. Novas revoluções vêm à tona, erros antigos repetidos à exaustão contra a Verdade sob a aparência de novidade seguem na vã tentativa de derrotar o Vencedor, cindindo a ordem natural da sobrenatural e, como consequência, desordenando aquela mesma ordem.
Curioso é observar a relação do homem com o tempo na longa história dos séculos: esse ser imperfeito, com o intelecto sujeito a enganos e a vontade sujeita a desânimos parece querer assenhorar-se do relógio. Deveria aprender que o homem não é sequer senhor de si mesmo. Completa-se quando se subordina ao Sumo Bem, à Perfeição que é Deus, O qual tudo criou e jamais foi criado. Afastado dEle, o homem tem pressa. Economizar o tempo através do avanço tecnológico, da energia elétrica, do carro, do avião, das redes sociais: este é seu objetivo. Tenta, ao viver atarefado no mundo, economizando e ocupando o tempo para auxiliar o progresso material, fugir do inexorável destino de toda criatura: a morte. Assim ocorre com os vegetais, com os animais brutos e conosco. Cedo ou tarde, a natureza decaída virá cobrar seu soldo. Que importa, então, controlar o tempo?
Longe de cair no engodo niilista, desesperançado e, por isso mesmo, desgraçado. O que diferencia o homem dos demais animais é possuir uma alma racional, que viverá eternamente e que, após a ressurreição dos corpos, estará junta ao corpo com o qual passou nesta terra. Os caminhos apontam para a Felicidade ou a condenação. Sabendo que está distante de Deus, o homem moderno foge da morte como o diabo foge da Cruz. Em meio a tantos afazeres e distrações, ele se esquece de cuidar da própria alma, o bem mais precioso que o Criador deu a cada um de nós.
Ainda que a noção da condenação nos assole, razão não temos para temer com tal pavor que fiquemos desesperados. Assim como a história mostra a criatura humana, andarilha numa terra que lhe pertence apenas por algum tempo, sempre pequeno, ainda que Deus estabeleça quão pequeno é com ligeira diferença para uns e para outros, mostra-nos ainda o seguinte: não importa o quanto o mundo gire ou quantas revoluções estourem, a Cruz continua a mesma. A Verdade é imutável, indestrutível e imperecível. Não se veste com as roupagens das modas nem caminha conforme os tempos: continua sempre invicta, resistente e intacta.
Que aparentemente seja derrotada não é coisa nova: a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz também pareceu derrota aos olhos do mundo. Bem sabemos que, na verdade, ela feriu mortalmente a verdadeira morte: a do pecado. E Cristo vence, Cristo reina e Cristo impera. Quanto aos Seus seguidores, à palma das torturas e do martírio, físico ou não, segue-se a coroa da Glória. Loucura para os pagãos, essa é a linguagem da Cruz: escrita com Sangue Inocente que redime o homem, germina e dá inúmeros frutos em todo o orbe terrestre.
Os anos vêm e vão na longa aventura humana. Não faz essencial diferença àquele que sabe o que lhe espera e busca a Verdade com um coração sincero a todo instante, no presente. É um novo ano de combate à carne, ao mundo e ao demônio. É um novo ano para ganhar o Céu. É um novo ano para entronizar este Rei que é Cristo no coração e, sobre a base de uma sólida vida privada, dar testemunho dEle na vida pública. Que tenhamos todos consciência de tal dever, para que não sejamos escravos do tempo e deixemos para depois, tal como aqueles que acreditam serem senhores do relógio quando Deus o tem nas mãos, aquilo que pode ser feito hoje para a nossa salvação e do nosso próximo.
Temperança. Retidão. Coragem. Fé. Uma estátua que traduz a atitude do homem que ama a Verdade em relação aos tempos e seus costumes. |
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