quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Como costumamos rezar?

Refletindo acerca do início da Paixão do Senhor no Horto das Oliveiras, São Thomas More nos adverte sobre o modo como oramos em seu De Tristitia Christi*


Cristo no Getsémani, por Heinrich Hofmann (1886)

Para ensinar que no perigo ou na dificuldade que se acerca devemos pedir a outros que vigiem e que rezem, colocando, ao mesmo tempo, nossa confiança somente em Deus, e também com a intenção de mostrar que Ele tomaria o amargo cálice da Cruz sozinho, sem nenhuma companhia [1], ordenou àqueles três apóstolos [Pedro, Tiago e João], que Cristo havia escolhido entre os onze e levado ao pé do monte, que ficassem ali, firmes e vigiando com Ele; mas Ele próprio se afastou, tomando a distância de um tiro de pedra [2]: "Adiantou-se um pouco e, prostrando-se com a face por terra, assim rezou: 'Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia, não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres'." [3]

O que nos ensina primeiramente Cristo Rei a quem queira lutar por Ele, e com Seu próprio exemplo, é a virtude da humildade, fundamento das demais virtudes e que permite almejar os objetivos mais altos com segurança. Sendo Cristo, enquanto Deus, igual ao Pai, se apresenta perante Deus Pai humildemente por ser também homem, e assim se prostra no solo [4].

Paremos brevemente, leitor, neste lugar para contemplar com devoção nosso Rei, prostrado em terra nessa atitude suplicante. Se o fizermos atenciosamente, um raio daquela luz que ilumina todo homem que vem a este mundo [5] iluminará nossas inteligências e veremos, reconheceremos, e tomaremos as dores e, em algum momento, chegaremos a corrigir não a negligência, a preguiça ou a apatia de nossa vida, mas a debilidade, a estupidez total, a idiotice ou insensatez com a qual nos dirigimos a Deus Todo-poderoso. Ao invés de rezar com reverência, nos acercamos Dele relutantemente, preguiçosamente e quase adormecidos; temo muitíssimo de que assim não só não O satisfazemos e não ganhamos Seu favor, como também O irritamos e até mesmo provocamos seriamente Sua ira.

Seria muito desejável que, vez ou outra, fizéssemos um esforço especial, imediatamente depois de acabar um momento de oração, para trazer de novo à memória tudo o que pensamos durante o tempo no qual estivemos rezando. Que loucuras e tolices veríamos ali? Quanta distração vã - e, algumas vezes, até asquerosidades - poderíamos perceber? Ficaremos verdadeiramente assombrados ao percebermos que tudo isso fora possível; de que, em tão curto espaço de tempo, pôde a imaginação dissipar-se por lugares tão díspares e distantes entre si; ou por tantos assuntos e coisas tão variadas como carentes de importância. Se alguém (como quem faz um experimento) se esforçasse para distrair-se no maior grau possível e da maneira mais desordenada, estou seguro de que não conseguiria fazê-lo tão bem como de fato faz nossa imaginação quando, deixada livre, desvaria por todas as partes enquanto a boca murmura as horas do Ofício e outras orações vocais muito utilizadas. 

Assim, se alguém se questiona ou tem alguma dúvida sobre a atividade da sua mente enquanto os sonhos conquistam a consciência ao dormir, não encontro melhor comparação que esta: a mente se ocupa da mesma maneira que se ocupam as mentes daqueles que estão despertos (se é possível dizer que estão "despertos" os que rezam dessa forma), mas cujos pensamentos vagam descontroladamente durante a oração, agitando-se impetuosamente sobre fantasias absurdas. Mas há uma diferença em relação ao que sonha dormindo, pois algumas das estranhas visões do que sonha desperto (rezando) e que sua imaginação abraça em suas viagens enquanto a língua corre pelas orações como se fossem sons desprovidos de sentido [6] são monstruosidades tão sujas e abomináveis que, se tivessem sido vistas dormindo, certamente ninguém, por mais desavergonhado que fosse, atreveria-se a contá-las ao despertar, nem sequer entre um grupo de descarados. 

E o velho provérbio é, sem dúvida, verdadeiro: "O rosto é o espelho da alma" [7]. Com efeito, esse estado de desordem e insensatez da mente se reflete nitidamente nos olhos, nas bochechas, nas pálpebras e nas sobrancelhas, nas mãos e nos pés; em suma, no corpo inteiro [8]. Quando nossa cabeça deixa de prestar atenção quando rezamos, ocorre um fenômeno parecido com a postura corporal. 

Pretendemos, por exemplo, que a razão para vestir trajes mais ricos que os corriqueiros nos dias de festa é o culto a Deus, mas a negligência com a qual rezamos mostra claramente nosso fracasso no intento de encobrir o motivo verdadeiro, a saber, um altivo e vaidoso desejo de luzirmos perante os demais. Em nossa negligência, andamos de um lado a outro e às vezes nos sentamos num banco. E, mesmo quando nos ajoelhamos, procuramos nos apoiar sobre um só joelho, levantando a outra perna  e descansando, assim, sobre o pé; ou colocamos uma almofada sob os joelhos e, às vezes (se somos realmente frouxos), buscamos apoiar até mesmo os cotovelos sobre uma almofada confortável. Com toda essa precaução, parecemos uma casa em ruínas prestes a desabar a qualquer momento.

No que se refere à nossa conduta, as próprias coisas que fazemos nos traem de mil maneiras, mostrando que a cabeça está ocupada em algo muito alheio à oração. Coçamos a cabeça, limpamos e cortamos as unhas e cutucamos o nariz enquanto nos equivocamos sobre o que devemos responder. Não lembrando do que nós já dissemos e do que nós não dissemos, palpitamos sobre o que resta dizer. Acaso não nos envergonha rezar num estado mental e corporal tão desordenado? Como é possível que nos comportemos assim em algo tão importante para nós como a oração? É dessa maneira que pedimos perdão pelas nossas faltas, suplicando a Deus que nos livre do castigo eterno? Mesmo se não tivéssemos pecado antes, ainda mereceríamos o tormento eterno por termos nos aproximado da majestade de Deus com tão pouco apreço. 

Imagineis, se quiserdes, que cometestes um crime de alta traição contra um príncipe ou contra alguém que tem vossa vida em suas mãos, mas tão misericordioso que está disposto a acalmar sua indignação se vos vê arrependidos e em atitude de humilde súplica. Imagineis que está decidido a comutar a sentença de morte por uma multa ou, até mesmo, a perdoar totalmente a ofensa sob a condição única de que lhe mostreis indícios convincentes de vergonha e dor. Suponde agora que, levados perante a presença do príncipe, vos adianteis e comeceis a falar sem cuidado, sem interesse algum, como a quem nada do que se passa importa; enquanto ele está quieto em seu lugar e escuta com atenção, vós vos moveis passeando de um lado a outro enquanto expondes vossa situação. Cansados de perambular, vos sentais em uma cadeira; ou, se a cortesia e a educação exige que vos rebaixeis e ajoelheis no solo, mandais primeiro que alguém venha e coloque uma almofada confortável sob os joelhos; ou, melhor ainda, lhe pedis que traga um genuflexório com mais almofadas para que apoieis os cotovelos. Então, começais a bocejar, a espreguiçar, a espirrar, a cuspir e a arrotar sem qualquer cuidado, expulsando os vapores da gula. Enfim, começais a comportar-vos de tal modo que o príncipe possa ver com clareza no vosso rosto, na vossa voz, nos vossos gestos e em toda a vossa postura corporal que, enquanto vos dirigis a ele, vossa cabeça está em coisas e assuntos muito distintos. Dizeis-me: que sucesso poderíeis esperar de tal modo de rogar?

Consideraríamos, sem dúvida alguma, absurdo e insensato nos defendermos assim ante um príncipe da terra por um delito que pede a pena capital. E um tal poderoso, uma vez destruído nosso corpo, nada mais pode fazer. Poderemos então, por acaso, pensar que estamos em nosso são juízo se, tendo nos surpreendido cometendo uma série de crimes muito mais sérios, pedimos perdão tão altiva e desdenhosamente ao Rei dos reis [9], ao próprio Deus que tem poder, uma vez destruído o corpo, de mandar corpo e alma juntos ao inferno? [10]

Não desejo que ninguém interprete o que digo pensando que proíbo rezar passeando ou estando sentado ou até mesmo comodamente deitado. Não. E, de fato, como eu gostaria que qualquer coisa que fizéssemos e em qualquer postura do corpo estivéssemos, ao mesmo tempo, elevando constantemente nossas mentes a Deus, pois é esse tipo de oração que mais Lhe agrada. Pouco importa para onde se dirigem nossos passos se nossas mentes estão postas no Senhor. Nem importa que andemos, pois nunca nos afastaremos bastante dAquele que está presente em todas as partes [11]. Mas, da mesma maneira que aquele profeta disse a Deus "quando, no leito, me vem vossa lembrança, passo a noite toda pensando em vós" [12] e não se contentou com isso, mas levantou-se "em meio à noite para render homenagem ao Senhor" [13], assim sugeriria eu que, para além daquilo que rezamos ao andar, façamos também orações para as quais preparamos nossas mentes com mais reflexão, e para as quais dispomos nosso corpo com mais respeito e reverência do que se tivéssemos que nos apresentar perante todos os reis da terra reunidos num mesmo lugar. 

Em verdade hei de afirmar que, quando penso em nossa dissipação mental durante a oração, minha alma dói e se enche de desgosto.

De qualquer maneira, não podemos esquecer que alguns pensamentos que vêm enquanto rezamos podem ser sugestões de um espírito maligno, ou vieram à imaginação pelo natural funcionamento dos sentidos. Nenhuma dessas distrações, por mais vis e horríveis que sejam, é falta grave se resistimos e a afastamos. Mas, ao contrário, se a aceitamos com gosto ou, por negligência, permitimos que cresça em intensidade durante um longo período de tempo, não tenho a mínima dúvida de que sua força pode aumentar de tal modo que seja fatalmente destrutiva à alma.

Ao considerar a glória imensurável da majestade de Deus, vejo-me obrigado a pensar que, se essas distrações da mente não são delitos puníveis com a morte, isso só se deve ao fato de que Deus, em Sua misericórdia e bondade, não quer exigir a morte por elas, porque a malícia que lhes é inerente faz com que sejam merecedoras de tal castigo, e eis a razão: não consigo imaginar como tais pensamentos aparecem na mente dos homens enquanto rezam (quer dizer, quando falam com Deus) senão por falta de fé ou porque a fé é muito fraca. Se procuramos não nos distrair enquanto falamos com um príncipe mortal sobre algum tema importante, ou com algum de seus ministros em posição de certa influência, jamais deveríamos nos distrair o mínimo que fosse enquanto falamos com Deus, não se acreditássemos com uma forte e ativa fé que estamos na presença de Deus, o qual não somente escuta nossas palavras e vê nossas feições e posturas como sinais externos do nosso estado interior, como ainda penetra nos rincões mais secretos e recônditos do coração com uma visão mais aguda que os olhos de Linceu [14] e ilumina tudo com a infinita claridade da Sua majestade. Não ocorreriam tais distrações, repito, se acreditássemos que Deus está presente, aquele Deus em cuja gloriosa presença todos os poderosos do mundo, com toda a sua glória [15], devem confessar (a não ser que estejam loucos) não serem mais que vermes depreciáveis. 

Por conseguinte, uma vez que Nosso Salvador Jesus Cristo viu que nada é mais proveitoso que a oração, e também que esse meio de salvação seria frequentemente infrutífero por causa da negligência dos homens e da malícia dos demônios - de tal maneira que, às vezes, seria pervertido em meio de destruição -, decidiu Ele mesmo aproveitar essa oportunidade, em Seu caminho para a morte, para reforçar Seu ensinamento com a palavra e com o próprio exemplo, dando os toques finais neste ponto tão necessário, assim como fez com as outras partes da Sua doutrina.

Desejava que soubéssemos bem que temos de servir a Deus não somente com a alma, mas também com o corpo, pois ambos foram criados por Ele. Quis igualmente nos ensinar que uma atitude respeitosa e reverente do corpo, ainda que tenha sua origem e caráter a partir da alma, aumenta, como em reflexo, a reverência e a devoção da própria alma para com Deus. Ele quis, assim, mostrar a mais humilde forma de sujeição e venerou Seu Pai que está no Céu com uma postura corporal que nenhum príncipe da terra ousou reclamar, nem aceitou para si quando oferecida livremente, exceto o ébrio e devasso macedônio [Alexandre] e alguns outros bárbaros que, ensoberbecidos pelos triunfos, pensaram que deveriam ser venerados como deuses.


*Tradução livre a partir da edição de Yale (New Haven e Londres) das obras de São Thomas More: The Tower Works: Devotional Writings - edição por Garry E. Haupt, 1980; e da edição espanhola La agonía de Cristo das Ediciones Rialp (Madri), preparada por Alvaro de Silva.


NOTAS:

1. Is. 63, 3.
2. Lc. 22, 41.
3. Mt. 26, 39; Mc. 14, 35-36.
4. Cf. Fp. 2, 5-7.
5. Jo. 1, 9.
6. Virgílio, Eneida 10, 640.
7. Cícero, De oratore 3, 59, 221.
8. Cf. Cícero, Pis., 1, 1.
9. Cf. 1 Tim. 6, 15; Rev. 19, 16.
10. Lc. 12, 4; Mt. 10, 28.
11. Cf. Jer. 23, 23-24.
12. Sl. 118, 62.
13. Sl. 62, 7.
14. Cf. Jer. 17, 9-10. Linceu, um dos Argonautas, era famoso pela sua visão aguda.
15. Cf. Mt. 6, 29; Lc. 12, 27.

domingo, 3 de novembro de 2019

Thomas More: Senhor até o martírio

Artigo do padre Jorge Benson para a revista argentina Gladius, ano 2, nº 6 (1986).*


Pintura de Hans Holbein retratando o santo (1527)

The field is won.” (T. M.) 

Em 1535 – fez 451 anos no último dia 6 de julho – sofria São Thomas More sua paixão, “voluntariamente aceita”. Em 1886, farão agora 100 anos, era beatificado e, em 1935, canonizado. 

Estamos, então, em um momento propício para recordá-lo e homenageá-lo. 

O que São Thomas More diz ao nosso tempo? 

O que nos pode dizer este senhor, testemunha majestosa da Fé e da Cristandade, ao nosso século que agoniza sem saber que deus adora, ao nosso mundo que quase não conhece chefes nem paradigmas? 

São Thomas More, “bom servo do Rei mas primeiro de Deus”, foi o homem da autoridade, da hierarquia e do sacrifício. Evocá-lo não se trata simplesmente de nostalgia ineficaz de grandezas idas, sublinhando, talvez, uma coincidência de aniversários, senão de outra oportunidade de retomar o modelo através do prisma que reflete, para nós, para hoje, este raio luminoso. Trata-se de admirá-lo, uma vez mais, e de repetir que, se se perderam muitas coisas neste circo do mundo em que vivemos, sempre resta a possibilidade de ser, como Thomas More, um senhor. 


1. O homem, um senhor 


“Senhor se nasce, doutor se faz”, diziam até não muito tempo atrás. Todos aceitam a segunda frase, alguns discutem a primeira: ou em nome da História, que tantas vezes a contradisse, ou em nome de uma suposta igualdade. 

Entretanto, para os cristãos, é verdade clara. Pelo batismo nascemos senhores, povo de nobre estirpe, de sangue real. [1] Mas também é certo que essa dignidade assim adquirida – ou herdada – pode ser perdida e, no lugar de fazer valer “tal pai, tal filho” – “servir a Cristo é reinar” [2] – podemos desmentir essa vocação ao senhorio por obras de escravo. 

Sir Thomas More foi um senhor, desses que nascem e se fazem. Senhor também no sentido natural, o qual tem sua importância, uma vez que “gratia supponit naturam”, quer dizer, uma vez que a graça nos supõe. 

Senhor como aqueles poucos que são e exercem, se damos crédito à opinião de seu amigo Erasmo, o qual disse que ele era “homem de singular virtude e de clara e imaculada consciência, e de tal gênio angélico como a Inglaterra jamais teve ou terá igual”. [3] Por natureza, dizia também seu contemporâneo, o professor Robert Wittinton: “More é um homem de inteligência de anjo e singular educação, ao que não conheço semelhante. Onde está um homem de tal suavidade, mansidão e afabilidade? Sabia ser, segundo as circunstâncias, um homem de radiante alegria e muito divertido; e, às vezes, de séria gravidade: um homem para todas as estações”. [4] 

Já havia anunciado o Cardeal Merton, em cuja casa e sob cujo cuidado começaria sua educação: “Quem quer que viva para vê-lo poderá admirar neste menino um homem maravilhoso”. [5] 

E o foi. Dotado de talentos como poucos, a Londres que o viu nascer – filho de um Cavaleiro – receberia, “na idade da primavera, ao ‘coming man’ de crescente reputação na City e na Justiça, o aplaudido membro – ademais – de um seleto grupo internacional de sábios, pai de numerosos filhos que o rodeavam com carinho, e para o qual todas as portas estavam se abrindo”. [6] 

Se alguma vez quis tornar-se cartuxo [7], se de fato é Santo, nunca, no entanto, pretendeu passar uma impressão “santarrona” a um público formalista. Sua atitude foi a atitude de um senhor, absolutamente livre dentro da ampla margem da legítima felicidade dos filhos de Deus. 

Isso se reflete, por exemplo, no estilo em que escreve, calmo, distendido, cheio de senso de humor. Como Chesterton, prescindindo de compromissos e temores, saberia apelar tanto à piada como ao leve toque do sentido comum, assim como à dureza de expressões que o mostram forte e apaixonado contra a heresia e o erro perigoso para os demais. [8] 

Homem de sangue ardente, soube recorrer ao cilício para dominar a sensibilidade – e ao matrimônio duas vezes [nota: a segunda vez já viúvo, por óbvio], com intervalo de um mês – vivendo sempre tenso até uma Eternidade conscientemente esperada. Por isso, brilhou em seu testemunho a serena fortaleza da Esperança. E, enquanto seus melhores amigos vacilariam perante o temor de desagradar o rei, ele expôs sua própria vida com não menor domínio. 
- Por amor a Deus, senhor More – advertia-o um deles, o duque de Norfolk -, recorde que “a indignação do príncipe é a morte”. 
- E isso é tudo, meu senhor? – Respondeu-lhe – Então realmente não há grande diferença entre Sua Graça e eu, pois, se eu morrerei hoje, o senhor morrerá amanhã... [9] 


2. Senhor da sua casa 


Homem do lar, era o verdadeiro patriarca de uma enorme família que integrava com sua mulher e filhos, genros e noras, pupilos e numerosos netos. Holbein pintou também esse quadro familiar e comovedor: é o homem eminente e próspero, paterfamilias em um lar feliz: outro Jó, quando nada fazia supor a tormenta que se avizinhava. 

Mas também porque precisamente era senhor da sua casa, era livre para deixar o lar um dia por um motivo superior, ou – como diria Suhard – por um amor ainda mais forte. 

Assim o explicaria a sua esposa, na prisão, quando ela tentara “recuperá-lo”, mostrando-lhe o contraste entre “esta estreita e suja cela... trancado entre camundongos e ratos... e sua bela casa, com sua biblioteca, seus livros, sua galeria, seu jardim... na companhia da tua esposa e teus filhos e todos os teus que te faziam tão feliz...” 
- Por quanto tempo? – Atribui-se essa contestação a More – Por dez, vinte, trinta anos? E por esse breve tempo perderei a Vida Eterna? 
Esse homem de fino humor, que “nunca falava sem fazer alguma piada e para quem os pequenos gracejos eram o pão de cada dia” [10], com o qual procurava manter viva a serena alegria dos seus, cultivava ao mesmo tempo a solidão para rezar e seguir preparado – por assim dizer – nesse elevar-se ao céu, acima do amor à sua família. Assim, testemunha seu genro que, próximo de sua casa, edificou uma pequena capela e biblioteca, na qual passava boa parte do seu tempo e, especialmente, as sextas-feiras. [11] 

Queria contagiar seus filhos com sua vivíssima Esperança, e lhes repetia que maior mérito teriam em seguir o bom caminho não quando tudo auxiliava a virtude, mas “vivendo num tempo em que vocês verão a virtude castigada e o vício premiado. Se permanecerem firmemente aderidos a Deus, ainda que sejam bons só pela metade do que deveriam, Deus fará o resto”. [12] 

Profecia ou não, esses tempos não tardariam... 



3. Bom servo do rei... 


Se as virtudes de Thomas More são manifestas desde o princípio da sua vida, seu domínio e grandeza tomam novo patamar quando entra no serviço ao rei, quem, graças a seus méritos e apesar dos seus protestos, irá lhe ascendendo até o primeiro posto dentre os súditos. 

“More tomava parte numa missão diplomática atrás da outra, já que suas habilidades no Direito, nas finanças e seu francês fluído faziam-no um membro muito útil de toda a delegação” [13]. E, depois de uma célebre discussão pública acerca de certos direitos aduaneiros na qual fez valer sua ciência e sua prudência, o rei o agregou ao número de seu Conselho privado, com a classe de Cavaleiro. [14] 

Logo, por seus bons ofícios na embaixada de paz ante os reinos da Espanha, França e Portugal, o rei, nomeando-o Lorde Chanceler do Reino no lugar do Cardeal Wolsey, “declara abertamente ao Duque de Norfolk, perante o povo reunido, a gratidão pública por tudo o que o Reino lhe devia”. [15] 

Finalmente, com Henrique VIII, de quem curiosamente – pelo que ocorreria a seguir – havia recebido um dia “a lição mais valiosa que jamais um príncipe ensinara a um vassalo seu, querendo o rei que primeiro obedecesse a Deus, e depois de Deus a ele”[16], com este rei chegou a ter um trato de privilégio, compartilhando como poucos seus jantares, suas preocupações, suas inquietudes culturais. “E, como fora (More) de disposição agradável ao rei e à rainha, durante o jantar, chamaram-lhe para passarem juntos um momento de recreação” [17]. Mais ainda, “pelo prazer que tinha na sua companhia, ocorria [ao rei] às vezes de ir visita-lo repentinamente na sua casa em Chelsea, para se divertirem juntos... ou para comer com ele, e depois passear pelo jardim caminhando, por uma hora, com o braço em seu pescoço...” [18]. Cruel ironia, certamente, no esplêndido relato do seu devoto genro, e tremendo contraste com o que iria ocorrer, precisamente pela falta de domínio do homem que carregava a coroa, a qual, porém, o bom vassalo sempre respeitou e obedeceu, até o último momento. 

Mas, movido por piedade ordenada, este senhor de si mesmo e de seus mais caros afetos é igualmente livre para colocar, como Joana d’Arc, Deus em primeiro lugar, não só à frente do rei como também – não é uma alternativa impossível – à frente de alguns hierarcas eclesiásticos do momento. 

Porque só o Bispo de Rochester, Mons. John Fisher – receberia o cardinalato na prisão -, se levantaria em defesa da verdade, enquanto seus pares claudicavam. 

Escutemos a “parábola” – eterna censura para os sempre dóceis – com que More responde e ensina três bispos, os quais não queriam ver tão distinguido personagem soando uma nota discordante, enquanto eles consentiam no grave capricho de Henrique VIII que provocaria o cisma e a heresia de quase todo um povo: 

“Um imperador – começava a história – ordenou que quem quer que tivesse cometido certo crime deveria morrer, exceto se fosse virgem, tal reverência tinha o estado de virgindade. Mas, ocorreu que a primeira pessoa que foi considerada culpada era uma jovem donzela e, ouvindo isso, o imperador ficou muito perplexo, sem saber como fazer para cumprir a dita lei. Debatia o Conselho largamente sobre o caso quando, de repente, se levanta entre seus membros um bom homem, que diz: ‘Por que criamos tanto problema, meus senhores, acerca de uma matéria tão simples? Façamos primeiro com que a jovem perca a virgindade, e logo a executamos’. Assim – continuou More -, devendo vossas senhorias guardar pura virgindade, tenham grande cuidado em conservá-la. Porque há quem, estando vossas senhorias presentes primeiro na Coroação [da nova Rainha, Ana Bolena], e logo pregando em seu favor e, por fim, escrevendo livros para defender o assunto perante todos, deseja vê-los perdendo a virgindade e, quando tiverem assim vos desflorado, não tardarão em devorá-los. Agora, meus senhores, não está no meu poder evitar que me devorem, mas, sendo Deus meu Bom Senhor, eu cuidarei para que nunca possam me desflorar”. [19] 



4. ...Mas primeiro de Deus 


Frente ao rei ou aos bispos, seus afetos eram ordenados, e a devoção ao Papa, ou melhor, a fidelidade a Deus em seu Vigário, era o amor primeiro, até as últimas consequências. E assim, após uma brilhante carreira, tanto política quanto literária, sob o patrocínio do mesmo soberano, enfrentou a encruzilhada de uma elegante capitulação ou a coerência e o sofrimento. E, ao invés de subscrever o Ato de Supremacia, que questionava a autoridade do Papa e fazia de Henrique VIII a cabeça da Igreja da Inglaterra, como o fizeram muitos bispos, as duas universidades e grandes personagens do momento, preferiu, e assim o disse, “não expor a alma ao perigo da condenação eterna”. [20] 

Sua muda reprovação incomodava. “E este silêncio seu está retumbando por toda a Europa”, exclamava o servil Cromwell. Diante disso, buscaram quebrar sua defesa – não poderiam condená-lo pelo que não havia dito -, tentando fazê-lo dizer, para apresentá-lo como traidor, o que todos sabiam que pensava: que ao rei não era lícito usurpar a Supremacia espiritual do Sumo Pontífice; e, que se o Papa tinha por válido o matrimônio com Catarina de Aragão, este o era, acima de todos os defeitos de Júlio II ou do parentesco da Rainha com o Imperador da Espanha. 

Tudo o que obtiveram dele foi um hipotético: “Assim como o Parlamento não poderia ditar uma lei dizendo que Deus não é Deus, assim tampouco poderia o Parlamento fazer o rei o Chefe Supremo da Igreja” [21]. Dessa afirmação e de outras afirmações muito suspeitas se valeram para condená-lo, mediante a fraude e o perjúrio. 



5. Ai de ti, Inglaterra! 


Senhor da sua vida, a entregaria alegremente quando o momento chegou, porque amava mais o que levaria à sua perda. E, poeta enamorado, comporia no próprio cárcere estes versos à sua “boa sorte”, que – um tanto livremente – poderíamos traduzir: 
“Oh, travessa fortuna, nunca tão formosa luziu

Nem nunca tão agradável e solidária me sorriu

Como agora, que meus pecados e penas vai reparar

Tu que nunca na vida quis me abandonar.

Confio em Deus que num momento estarei, seguro e estável,

No seu céu, para além da tormenta inevitável...” [22]
Sua execução não seria o traiçoeiro crime que, quatro séculos antes, outro Thomas, outro inglês, sofrera também por instigação de outro Rei, outro Henrique, defendendo os direitos da mesma Igreja [nota: refere-se a São Thomas Becket]. Com um certo progresso na elegância, agora os lacaios do amo sentiram a necessidade de montar um simulacro de tribunal para silenciá-lo. 

E parecera que, desde então, um certo pecado de injustiça pseudo-legalizada tinha dominado a sempre pragmática política inglesa. Tendência muitas vezes consentida, que fizera exclamar o poeta hispano, do outro lado da Gibraltar usurpada [versos originais nas notas]: 
“Ai! Te lastima o coração, te aterra...

Mas se Albion um centavo nisso ganha,

Matará a fogo lento meio mundo...

Oh, pérfida! Oh, hipócrita Inglaterra!

Seu próprio rastro apaga com a calda.

...

Com espasmos de velha puritana,

Ver maltratar um vira-lata andarilho

Inglaterra, Inglaterra, velha meretriz,

Jamais farta de sangue de cordeiros,

Sempre tortuosa em seus caminhos.” [23]
A morte deste seu próprio cordeiro escolhido fez dizer o Imperador Carlos “que se ele tivesse sido senhor de semelhante servo, cujas obras ele mesmo havia visto durante vários anos, teria preferido perder a melhor cidade dos seus domínios a perder tão sábio conselheiro” [24]. E a muitos, depois, fez lamentar que “à pessoa de maior virtude que o Reino jamais havia produzido, lhe haviam cortado a cabeça”. [25] 



6. Testemunha da Cristandade 


Muitos e variados ensinamentos se desprendem da vida e paixão de Thomas More. 

Sua Fé e sua Esperança eram a fonte e o segredo do seu humor permanente, da fina ironia com a qual enxergava o mundo e se despediria dele. 

“Dai-me a vossa graça, meu Bom Senhor – anotou em seu devocionário – de ter o mundo em nada...” 

Bem poderia ser chamado “o mártir da família”, porque deu o supremo testemunho em defesa da instituição matrimonial contra o divórcio, de acordo com o ensinamento da Igreja. 

São suas palavras, segundo Bolt: 
- No entanto, não é pela Supremacia que os senhores buscaram meu sangue, mas porque não me dobrei a respeito do matrimônio [adúltero, de Henrique com Ana Bolena]”. [26] 
Do mesmo modo, poderia ser considerado como mártir da necessária submissão dos governos à autoridade da Igreja sobre os Estados no que concerne à moral. Thomas More, com efeito, pôde se considerar até o final – repetiu-o no cadafalso mesmo – “um bom servo do rei, mas primeiro de Deus”, ao qual deviam acatamento, na Autoridade do Papa, tanto ele como o próprio rei da Inglaterra. 

Thomas More, um desses homens que, mesmo sem se proporem a isso, ensinam seus deveres até aos mais hierarquicamente elevados – que às vezes não podem suportá-los -, teria sem dúvida algo a dizer a certos prelados que, em nome de uma suspeita humildade pessoal e se vangloriam de renunciar aos “privilégios eclesiásticos” num mundo secularizado, consentem que se despoje Cristo, o Senhor, dos Seus direitos de soberania sobre as nações, e a Sua Única Igreja do direito de ensinar e julgar em matéria moral. More não caiu na incoerência de remover a esfera política da submissão ao Criador de tudo o que existe. [27] 

Em Utopia, bem mais que uma obra científica, uma espécie de “divertimento” intelectual composto no contexto de intercâmbios literários mais ou menos sérios, livres e humorísticos, More pinta uma sociedade ideal, que vive segundo a lei natural e à lei da razão, combatendo as consequências do pecado original, e planteia a questão tão importante hoje como naqueles tempos: O Estado é a autoridade suprema, ou há leis morais que ele deve obedecer, e que estão acima de quaisquer disposições suas? 

A resposta, que ele subscreveu com sangue, é clara para quem lê o Evangelho sem preconceito, e recebe o Magistério sem taras de relativismo histórico: também César, enquanto César, deve “dar a Deus o que é de Deus”. 

Consequentemente, levantou-se, qual outro João Batista, quase sozinho e incompreendido [28], em um non licet que ressoaria na história inglesa como uma censura perpétua. Foi como dizer ao rei: não te é lícito impor tua vontade acima e contra as normas divinas que a Igreja ensina. Teu intento de “separar” o governo da Igreja, fonte de Luz, ponte de Graça, é como querer separar o corpo da alma; e isso não pode trazer ao Reino mais que morte e corrupção. 

E os frutos dessa revolução anglicana estão à vista, especialmente para quem visita hoje a Grã-Bretanha protestante: igrejas magníficas, que testemunham séculos de Fé pétrea daquela Inglaterra católica, hoje convertidas ou em templos frios (sem o calor do Sacrário, sem a presença da Mãe), ou em museus carentes de vida, “ruínas controladas”, ou simplesmente em sujas casas abandonadas, ainda em pleno centro londrino. São o símbolo trágico, tão doloroso quanto irrefutável, da influência tremendamente exemplar e eficaz do governante, positiva ou negativa, sobre a religiosidade de todo um povo. Povo que atualmente aceita a legislação mais aberrante e que prescinde, em sua grande maioria, dos sucessores daqueles bispos que cuidaram mais do seu cargo que do seu encargo. 

Bispos que, ocupados hoje em tarefas de assistência social ou na controvérsia acerca da ordenação sacerdotal de mulheres – acompanhados nisto inclusive por alguns proeminentes prelados católicos -, ou na justificação “moral” do divórcio e até do aborto, conservam sim o título de Lordes, mas carecem de influência real entre sua gente, acusados, inclusive, pelos periódicos liberais de estarem mais preocupados por conformarem-se nesses temas com uma sociedade que muda que com a imutável vontade de Deus. [29] 

E tudo começou, é impossível negar, quando se produziu aquele formidável contraste entre a frivolidade com a qual Henrique VIII manejava seu poder absoluto – o que já permitia vislumbrar sua futura corrupção [30] – e o estupendo senhorio daquela humilde testemunha da Cristandade. 

Testemunha majestosa em sua simplicidade que, quando disseram-lhe durante o processo que só ele pretendia se opor ao que já haviam aprovado “todos os bispos, universidades e as pessoas mais cultas do Reino”, replicou de forma magistral: 
- Se o número de bispos e universidades conta tanto como parece a Sua Senhoria, então menor motivo ainda vejo para mudar de opinião, pois não duvido que, além deste Reino, em toda a Cristandade há muitos mais bispos e homens instruídos para considerar, e isso só entre os que ainda vivem. Porque, se falássemos dos que já estão mortos, dos quais não poucos são já santos do Céu, estou bem seguro de que a maioria deles, no meu caso, teriam pensado de maneira igual. Por isso, não penso em conformar minha consciência com o Conselho de um Reino, contra o Conselho de toda a Cristandade. [31] 
Testemunha feliz em sua Esperança, que entregaria sua cabeça agradecendo ao que “o enviava ao céu”. 
- O senhor parece muito seguro disso, Sir Thomas – insinuou azedamente, no cadafalso, o Arcebispo Crammer. 
- Deus – foram as últimas palavras do “Man for all seasons” – não recusará um homem que vai tão contente ao Seu encontro... [32] 
*Tradução do artigo original em espanhol sob o título Tomás Moro: Señor hasta el martirio.


NOTAS: 


1. Cf. I Pe. 2, 9. 
2. Lumen Gentium, 36. 
3. Cit. Por William Roper, genro de Thomas More, em sua Life of Saint Thomas More, Dent, Londres, 1978, p. 3. 
4. Daqui tomaria Robert Bolt o título para sua célebre obra teatral sobre a vida do nosso santo, levada também ao cinema: A man for all seasons (ed. Heineman, Londres, 1983). 
5. Roper, o. c., p. 3. 
6. Gordon Rupp, Thomas More, the King’s good servant, Collins, Londres, 1978, p. 15. Rupp é um historiador protestante, professor emérito em Cambridge. 
7. Cf. ibid., p. 14. 
8. Depois de tratar Lutero por louco, orgulhoso, lascivo e mentiroso, e de lamentar-se com um toque de ironia de que os Santos Padres não haviam escrito com maior precisão, tendo em conta o abuso que fariam de seus escritos os reformadores, agrega a respeito destes: “Julgo essa raça de homens absolutamente repugnante e, a menos que recobrem o bom senso, quero ser com eles o mais odioso possível. Dia após dia, quanto mais os conheço, mais aumenta meu temor do tremendo dano que poderiam fazer ao mundo” (carta a Erasmo, cit. por Rupp – o. c., p. 39 – e por E. Wood – em Bolt, o. c., p. 108. 
9. Roper, o. c., p. 35. 
10. Gordon Rupp, o. c., p. 18. 
11. Cf. Roper, o. c., p. 14. 
12. Cf. ibid. 
13. Gordon Rupp, o. c., p. 23. 
14. Cavaleiro (Knight) era o primeiro grau de nobreza, conferido a quem se destacara no serviço do Rei. Correspondia-lhe o tratamento de Sir, enquanto o de Lord era o correspondente aos graus superiores (barão, conde, marquês), com referência ao domínio sobre algum lugar. O Duque e o Príncipe recebiam o tratamento de Sua Graça e Sua Alteza Real, respectivamente. 
15. Roper, o. c., p. 19. 
16. Ibid., p. 25. 
17. Ibid., p. 7. 
18. Ibid., p. 12. 
19. “I will provide that they shall never deflower me” (ibid., p. 29). 
20. Carta a sua filha Margaret, cit. por Gordon Rupp, o. c., p. 50. É interessante o fato de que a primeira versão do Ato de Supremacia provocou resistência geral entre o clero. A Assembleia, disse Wood, “buscou então algum compromisso”, quer dizer, algum arranjo, e se redigiu uma segunda versão, que fazia menção ao juramento de fidelidade ao novo Chefe da Igreja na Inglaterra: “so far as the laws of Christ permit” (na medida em que as leis de Cristo o permitam), o qual, por ser ambíguo, satisfez de modo geral. Mas não a retidão de Thomas More que, conhecendo a defecção da segunda Assembleia, renunciou à Chancelaria. 
21. Roper, o. c., p. 42. 
22. “Eye flatering fortune, look thou never so fair, / nor never so pleasantly begin to smile. / As though thou wouldst my ruin all repair, / During my life thou shalt not me beguile. / Trust I shall God to enter in a while / His haven of heaven, sure and uniform; / Ever after thy calm look I for a storm”. (Roper, o. c., p. 40). 
23. Eugenio Escribano, A la politica secular de Inglaterra. Versos originais: “¡Ay!, te lastima el corazón, te aterra... / Mas si Albión un penique en ello gana, / Matará a fuego lento a medio mundo… / ¡Oh pérfida!, ¡oh hipócrita Inglaterra! / Sus proprias huellas con la cola borra. /…/ Con espasmos de vieja puritana, / Ver maltratar a un gozque vagabundo / Inglaterra, Inglaterra, vieja zorra, / Jamás harta de sangre de corderos, / que siempre tortuosa en sus senderos”. 
24. Roper, o. c., p. 50. 
25. Jonathan Swift, Concerning that universal hatred…, 1736. 
26. O. c., p. 97. 
27. É certo e não ignoramos o fato de que, ante a mutação e decadência moral que a sociedade veio sofrendo, a Igreja mudou a formulação tradicionalmente conhecida como "das duas espadas", e colocou mais relevo em certos direitos da pessoa frente ao Estado (cf. Dignitatis Humanae, Comentário do pe. Julio Meinvielle). Entretanto, dita mudança em nada justifica a nova doutrina que pretende impor o progressismo (elevando a hipótese a tese), considerando a sociedade moderna não "enferma", mas "mais adulta", apta a emancipar-se de toda sujeição à Autoridade espiritual universal colocada por Deus. Thomas More sabia que, posto na obrigação de manifestar seu parecer, teria que tomar uma posição pública em favor da Moral, da Igreja, do Papa. Quando não pôde eludir tal compromisso (nem sequer renunciando à Chancelaria), quando teve que dizer o que pensava, expressou-se como católico fiel à Cristandade, e não louvando a "crescente autonomia do governante frente à Igreja" - como hoje os progressistas não vacilam fazer -, o que teria lisonjeado o rei e lhe alargaria o tempo de vida.
28. Logo lhe fariam eco, como precursores dos vendeanos da França, os católicos de York e Northumberland. Mas, naquele momento, até o holandês Erasmo, quem o havia chamado com admiração "o Sócrates inglês", toma distância: "Não deveria ter se metido em questões tão perigosas; deveria ter deixado a teologia para os teólogos" (cit. por Gordon Rupp, o.c., p. 54). Não meter-se em teologia - se se dirige a um leigo - ou não se meter na política - se a um sacerdote - costumam ser, muitas vezes, os conselhos dos liberais aos que fazem causa comum com a tradicional teologia católica acerca da política.
29. Daily Telegraph, 30 set. 1985.
30. Cf. Robert Bolt, o. c., p. XXIV.
31. Roper, o. c., p. 46. Argumento ideal, também, contra os positivistas do momento.
32. Robert Bolt, o. c., p. 99.



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