sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Economia liberal X Economia católica

Breve comparação feita pelo político e filósofo espanhol Juan Vázquez de Mella y Fanjul, retirada e traduzida do discurso pronunciado em 23 de abril de 1903 no Teatro Trívoli de Barcelona*

 





Juan Vázquez de Mella y Fanjul

O que resta em pé daquela economia miserável que só serviu para produzir catástrofes? Essa economia diz que o capital não é mais que o produto destinado a uma nova produção, quer dizer, um efeito destinado a ser causa que, portanto, necessita de uma causa anterior, que não podia ser ele mesmo, posto que ninguém se dá o ser que não tem; o que prova, ademais, que há riqueza que constitui capital que não é produto, porque não é obra do trabalho dos homens, mas da natureza.

Essa economia diz que o trabalho é uma mercadoria que se regula, como as demais, pela lei da oferta e da demanda; e a economia social católica contesta: não; o trabalho, como exercício da atividade de uma pessoa, não é uma simples força mecânica, é uma obra humana que, como todas, deve ser regulada pela lei moral e jurídica, que está acima de todas as regras econômicas. 

Essa economia diz que o contrato de trabalho é assunto exclusivamente privado, que só interessa aos contratantes, e a economia católica contesta: não; o contrato de trabalho é diretamente social por seus resultados, que podem transcender à ordem pública e social, e a hierarquia de poderes da sociedade - e não somente o Estado, que é o mais alto, mas não o único poder - tem, em certos casos, o dever de regulá-lo. 

A economia liberal diz que o principal problema é o da produção de riqueza, e a economia católica contesta: não; o principal problema não consiste em produzir muito, mas em repartir bem, e por isso a produção é um meio e a partilha equitativa um fim, e é inverter a ordem subordinar o fim ao meio, ao invés do meio ao fim.

A economia liberal diz: existem leis econômicas naturais, como as da oferta e da demanda, e nas quais, não intervindo o Estado para alterá-las, deduz-se de si mesmas a harmonia de todos os interesses. A economia social católica contesta: não existem leis naturais que imperam na ordem econômica à semelhança das que regem o mundo material, porque a ordem econômica, como tudo o que se refere ao homem, está subordinada à moral, que não se cumpre fatal, mas livremente; e não se podem harmonizar os interesses, se antes não harmonizam-se as paixões que os impulsionam; e a oferta e demanda não é, tampouco, uma lei natural, porque nem sequer é lei, já que é uma relação perpetuamente variável, como são seus extremos, e a lei encontra-se na relação entre as causas que produzem as mudanças, e não no resultado.

A economia liberal diz: a liberdade econômica é a panaceia de todos os males, e a livre concorrência deve ser a lei suprema da ordem econômica. E a economia social católica contesta: não; o circo da livre concorrência, onde lutam os atletas com os anêmicos, é o combate no qual perecem os débeis esmagados pelos fortes. Para que essa contenda não seja injusta, é necessário que os combatentes lutem com paridade de armas e, para isso, é preciso que os indivíduos não fiquem dispersos e desagregados, mas unidos e agrupados em corporações e na classe, para que sejam como suas cidadelas e muralhas protetoras, para que a força de alguns e o poder do Estado não os esmague. 

A antiga economia liberal diz, referindo-se ao Estado em suas relações com a ordem econômica: deixai fazer, deixai passar. E a economia católica contesta: não; essa regra não se praticou jamais na História. Os mesmos que a proclamaram nunca a praticaram; e é um erro frequente crer nisso, no qual incorreram muitos e, entre eles, sábios publicistas católicos, por não terem reparado que a antiga sociedade cristã estava organizada espontaneamente, e não pelo Estado. Aquela sociedade havia estabelecido sua ordem econômica não a priori e conforme um plano idealista, mas segundo suas necessidades e condições; e, quando o individualismo encontrou-se com uma sociedade organizada de acordo com princípios contrários aos seus, proclamou a tese de que não era lícito intervir na ordem econômica, o que significou precisamente intervir para derrubar o que existia por meio de uma intervenção negativa, que consistiu em romper um a um todos os vínculos da hierarquia de classes e corporações que lenta e trabalhosamente haviam levantado os séculos e as gerações crentes. Qual intervenção é maior que romper, uma a uma, as articulações do corpo social e desagregá-lo e reduzi-lo a átomos dispersos, para dar-lhe, apesar de si mesmo, a liberdade da poeira, de modo que ele se mova em todas as direções de acordo com os ventos que sopram no topo do Estado?

Cartão postal baseado na obra L'Angélus, de Jean-François Millet (1857-59), retrata dois camponeses parando os trabalhos para rezar a famosa oração da Cristandade. O capitalismo afastou o homem do contato com Deus e com a sua família, fazendo-o trabalhar mais, alterando seus objetivos: não mais o acúmulo das riquezas eternas, mas da riqueza terrena.

*Alguns tempos verbais foram alterados, assim como a ordem de poucas orações, para dar maior inteligibilidade ao texto.

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