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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Non praevalebunt: as agitações na Barca de Pedro e o “tradicionalismo”


"A Tempestade no Mar da Galileia", de Rembrandt


Não sou um exímio especialista na Crise da Igreja, não sou teólogo ou filósofo, não sou uma fonte dentro da Cúria Romana. Sou apenas um dentre muitos católicos. Não esperem, pois, um artigo repleto de revelações bombásticas, emendado com citações de tratados, encíclicas, verdadeiros calhamaços lidos e anotados; isso é trabalho para os eruditos. Falarei apenas com base no senso comum e, mais que isso, com base naquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo, Mestre infalível, Luz do mundo, Caminho, Verdade e Vida deixou-nos no Evangelho. 

Comecemos por um ponto inegável, que nem o mais fanático neoconservador pode negar sem, ao mesmo tempo, fechar os olhos para a realidade: a Igreja atravessa uma crise. Não me estenderei sobre o tamanho da mesma, ainda que haja razões inúmeras para crer nela como a maior da História. 

Entremos em qualquer templo, deixando de lado a Liturgia em si, e reparemos no que há ali – ou melhor, no que falta. Salvo nos locais privilegiados que possuem construções anteriores à década de 1960, a cena se repetirá: paredes brancas, pouquíssimas ou nenhuma imagem sacra – quando existem, o abstrato faz-se tão presente que fica difícil saber se, na parede, está representado Cristo Crucificado, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, ou um super-herói voador ou, talvez, um bicho-pau, colocado ali por algum entomólogo. 

Quanto aos vitrais, são de cores únicas, sem desenhos; uma mesa, por vezes com características mais disformes, e horrendas, que os móveis dos modernos apartamentos urbanos, ocupa o local do altar; o Santíssimo Sacramento foi deslocado para a lateral e, se visitado, os poucos fiéis que ainda compreendem a realidade da Eucaristia precisam de aguçada noção espacial para encontrar a capelinha, numa verdadeira jornada para visualizar a pequena luz vermelha acesa. Locais para ajoelhar? Nem sempre: contente-se com uma cadeira. 

Externamente, é possível questionar se o conjunto arquitetônico é um templo, um centro de convenções, uma câmara municipal ou uma nave espacial – exceto pela cruz (quando se faz presente), todas as outras características nos fazem duvidar da natureza da construção. Curioso concluir que tamanha deformidade exterior da fé não reflete uma deterioração interior da mesma, não? Mas é nisso que muitos creem; e, se o leitor chegou até aqui, terá que admitir, ao menos, que conhece mais de uma igreja com características no mínimo semelhantes às descritas. Mais: talvez seja um retrato fiel da paróquia que frequenta. 

Vê poucas pessoas nos confessionários, mas vê uma multidão na fila da comunhão; vê o sacerdote vestido como um homem comum, algumas vezes parecendo um senhor simpático de camisa, com um crucifixo no pescoço; outros vêm padres imitando, no estilo, o tio do Natal que faz a famigerada piada do pavê. As músicas supostamente litúrgicas não diferem daquelas que seu conhecido protestante escuta e, num extremo – infelizmente frequente – daquelas seculares que você mesmo escuta quando no transporte público ou no momento de lazer, em casa. 

Sim, estou usando o simples senso comum, como avisei que faria no começo do artigo. Pense a respeito, e encontrará outros pontos um tanto suspeitos, contraditórios ou claramente errados no estado das coisas; é inegável a crise nesse pequeno cosmo católico que você vive, certo? 

Passemos ao nível superior: uma hierarquia que, boa parte das vezes, não se posiciona fortemente contra o aborto, contra a união homossexual, que não permite a celebração da Missa Tridentina na diocese... Você achou estranha a entrada da estátua da Pachamama no Vaticano. E, agora, vê jornais do mundo todo – até os católicos, como a ACN – dizerem que o Papa Francisco defendeu leis de união civil para pessoas do mesmo sexo. O que fazer? 

A solução nua e crua dos “tradicionalistas” – e uso o termo entre aspas, pois nada mais somos que católicos que buscam seguir a doutrina de sempre da Igreja, e não monstros embaixo da cama – não é a do desespero e da histeria, como querem fazer crer: afinal, sabemos que o Papado já teve homens dos mais diversos tipos, desde heróis e mártires da fé até estupradores, assassinos e defensores de heresia. 

Quem deveria colocar os neurônios para trabalhar e tomar cuidado para não cair num desânimo fatal são os neoconservadores, que precisam de malabarismos para justificar o injustificável e abaixam a cabeça numa obediência por vezes contrária ao ensinamento da Igreja: “Devemos obedecer antes a Deus que aos homens” (At. 4, 19-20 e 5, 29). 

Além disso, precisam ignorar o que Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo disse: pelos frutos conhecereis a árvore (Mt. 7, 16-20). O que será que fariam eles quando acontecesse a hipótese que São Paulo nos coloca? “Evidentemente que não há outro [Evangelho diferente do que vos preguei], mas há alguns que vos perturbam e querem inverter o Evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um Evangelho diferente daquele que vos temos anunciado, seja anátema. Como já vo-lo dissemos, agora de novo o digo: Se alguém vos anunciar um Evangelho diferente daquele que recebestes, seja anátema” (Gal. 1, 7-9). Talvez aceitassem um novo evangelho, sob o pretexto de ser um anjo do céu que o promulgou... 

Não, os “tradicionalistas” não precisamos nos desesperar e arrancar os fios de cabelo da cabeça por isso; não somos nós que dizemos “não há crise!” ou “interpretaram tal documento/frase erroneamente!”. Devemos simplesmente fazer o que a Igreja sempre ensinou, inclusive no que diz respeito ao Papado e a quem ocupa a Sé de Pedro. Oremos pelo Sumo Pontífice com um coração filial; é nosso grave dever e, quanto mais parecer que o Sucessor de Pedro se desvia, maior será a nossa culpa se não o fizermos. 

Para encerrar, vejamos algumas passagens do Evangelho que resumem a posição de todo católico de bom senso: 

Em primeiro lugar, a difundida passagem de São Mateus 16, 18: “Eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Nada pode destruir a Esposa de Cristo, ainda que tentem fazê-lo desde o interior. Papas bons e maus se sucederam e assim o farão até o final dos tempos. Jesus é a Cabeça, e Ele venceu a morte; o Corpo também vencerá as investidas infernais, exclamando como o Apóstolo: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor. 15, 55). 

Lembremos também da Paixão de Nosso Senhor; o Corpo segue a Cabeça, logo, passa pelos sofrimentos que a atingiram. Façamos como São João Evangelista, com o auxílio insaciável e invencível de Nossa Mãe Imaculada, e continuemos ao pé da Cruz; se a Igreja sofre, sofre por causa dos nossos pecados. E, se muitos a abandonam, recordemos: “Mas tudo isto aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então todos os discípulos, tendo-O abandonado, fugiram” (Mt. 26, 56); São Pedro, o primeiro Papa, negou-O, arrependeu-se e tornou-se glorioso mártir e Coluna da Igreja. 

Por fim, reparemos no trecho da tempestade no Mar da Galileia: as ondas eram impelidas por um grande vento contra a barca na qual se encontravam os discípulos, e Jesus adormecia na popa. Aqueles, assustados, acordaram-nO e pediram socorro, e Ele fez a tempestade cessar – antes de reprimir os apóstolos pela falta de fé (Mc. 4, 35-40). Ora, as crises não são tempestades que agitam a Barca de Pedro? As águas a invadem, diz-nos o Evangelho; confiemos, entretanto, que Cristo estará sempre conosco, como Ele mesmo prometeu, até a consumação dos séculos (Mt. 28, 20). Tenhamos fé, e façamos o de sempre. 

Viva Cristo Rei, cuja festa se aproxima, e Salve Maria Santíssima, que nos concedeu a arma mais poderosa para todas as crises: o Santo Rosário. 

domingo, 15 de março de 2020

O sofrimento, a Cruz e o homem moderno


A magnífica escultura do sevilhano Manuel Martín Nieto, Cristo de la Misericordia

O homem não se vê mais como um peregrino caminhando por uma estrada estreita até o momento de se encontrar com Deus através da morte do corpo, e sim vive como um pequeno rei que busca o conforto material e a consolação dos seus semelhantes, satisfazendo todas as suas vontades em diferentes graus. Mais: nunca antes na história humana o tempo importou tanto. Vivemos no imediatismo, afirmação facilmente confirmada a cada rápida visualizada nas redes sociais, especialmente naquelas que se baseiam quase totalmente na troca de mensagens.

Ocorre que, neste mundo, que deveria ser de prazer, de alegria e de realização pessoal para a mentalidade contemporânea, eivada das mais insanas ideologias, claro é que há frustrações e amarguras, desde tirar nota vermelha numa prova da faculdade até perder um ente querido ou adquirir uma doença grave e incurável. Também existe a demora: há coisas que só o tempo, ou melhor, a Providência através do tempo, cura e soluciona. 

Ora, se o sentido da vida é a felicidade no mundo, qualquer dor e tristeza física ou mental passa a não se encaixar no cenário, uma vez que a vida terrena é aquela que importa; não há outra, afinal. Devemos ser felizes aqui; se não somos, algo está errado. E, como assim não podemos solucionar problemas e ter o que queremos agora? Ficamos perplexos diante da impotência da frágil e decaída natureza humana.

As ideologias que retiraram Cristo e Sua Paixão dos locais públicos, chegando mesmo a invadir o imaginário popular e chamá-lO de mito, de uma lenda antiga e desnecessária ao homem, pretenderam fazer do homem um deus. Quiseram que ele fosse feliz sozinho, dependendo apenas de seus iguais - quando esses não são mortos no ventre materno ou no leito de um hospital -, e não Daquele que o criou e o sustenta dia após dia. Vão engano. Mesmo com a disponibilidade imensa e imediata de toda a espécie de divertimentos sensíveis, lícitos e ilícitos, jamais se viu povo tão infeliz.

Quando não se olha mais para a Cruz, quando não se pensa mais nas Coisas do Alto para as quais o homem foi criado, perde-se toda a dimensão e o sentido do sofrimento. Não à toa temos a geração que mais cria e compartilha páginas de "pensamentos positivos" e "boas vibrações", mas também aquela na qual as pessoas mais tiram suas próprias vidas, quando chegam ao limite imposto por tantas moléstias psicológicas/psiquiátricas que se espalham tal qual sementes ao vento na louca atualidade.

Isso porque a Cruz mostra um Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, sem qualquer mancha e que, na nossa mentalidade, não deveria ter sofrido a terrível morte que lhe caiu sobre os ombros. Era sangue inocente, como o próprio Judas reconheceu. Ora, eu, pecador, repleto de culpas e das mais graves, dono das mais miseráveis falhas, deveria estar em melhor condição que o Cordeiro Imaculado? Não seria totalmente injusto pensar em tal situação, uma vez que o pecado é uma dívida infinita, a ponto de exigir a reparação do próprio Deus Encarnado?

Para isso ocorreu a Santa Paixão. Cristo satisfez a infinita reparação devida pelo homem por causa do pecado através de Suas Chagas: Suas costas mutiladas pelo flagelo com ganchos e pontas de chumbo, Suas mãos e pés transpassados por grossos cravos, Sua cabeça penetrada por longos espinhos, Sua face coberta de hematomas e cusparadas. E, detalhe: voluntariamente. Que loucura para o mundo moderno procurar o sacrifício e o sofrimento em prol dos amigos... E dos inimigos! 

Quanto às perspectivas de sucesso que muitos invejam, um ligeiro olhar para a vida do Salvador mostra-nos que, por vezes, o sucesso terreno não equivale ao sucesso sobrenatural e até lhe é contrário: o nascimento numa pobre gruta em Belém, no frio da noite, sem lugar nas estalagens; a fuga para o Egito, ainda como pequeno menino; a vida oculta, cheia de trabalhos e auxílios a São José e a Maria Imaculada; o início da vida pública, conhecido apenas como "filho do carpinteiro"; o auge de tal curta e prodigiosa carreira, odiado pelos fariseus e doutores da Lei; a traição de um discípulo amado, o abandono dos principais apóstolos à exceção de São João, a negação do primeiro Vigário, São Pedro; morto na Cruz, como um maldito, entre dois ladrões. Quando da Ressurreição, nenhuma testemunha presente naquele incrível momento. 

O Fracassado aos olhos do mundo, aquele Sofredor tão desprezado, resgatou os homens e dispôs aos mesmos infinitos tesouros dispensados, daquele momento em diante até o final dos tempos, pela Santa Igreja. Ela, em suas orações do maior ato público de adoração - a Santa Missa, no Ofertório -, reconhece que tal prodígio foi ainda maior que a Criação: Deus, qui humanæ substantiæ dignitatem mirabiliter condidisti, et mirabilius reformasti...

O sofrimento tem um sentido absolutamente salutar: nos aproximar de Nosso Senhor Jesus Cristo, satisfazendo nossas próprias faltas e fazendo-nos acumular tesouros no Céu se carregarmos tal cruz com verdadeiro amor. Como o Cireneu, dessa forma auxiliaremos outros a carregarem suas cruzes, pois cada um tem a sua própria. É a chave da salvação, a ponte que nos transporta à Verdadeira Felicidade, aquela que será eterna e imensamente maior que todas as pequenas e passageiras alegrias deste século. E, se é maior que todas as alegrias, quanto maior é que todas as angústias e todos os desamparos?

Quem quer que esteja triste, envolto na tribulação, sob as espessas nuvens da dor e do fracasso, basta olhar para o Senhor no Santo Madeiro: "Meu filho, isso foi por ti, para que te abrissem as portas do Céu. Levai tua cruz, infinitamente mais leve que a Minha, com paciência e a consolação de todas as graças que a ti disponho, pois terás um lugar junto a Mim no Paraíso se assim o fizeres". 

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

O mundo precisa de silêncio

Breves reflexões para a atualidade turbulenta


O silêncio dos mosteiros, em especial nos mosteiros cartuxos, é essencial para a elevação da alma


Silêncio, a ausência de ruído. Como essa palavra é importante para nós: antes de tomarmos qualquer decisão importante, ficamos em silêncio; na conversa entre amigos, quando um falará, pede ou espera o silêncio dos demais; para estudar, precisamos do silêncio; para dormir, desejamos silêncio. Inúmeras situações evidenciam que há algo de imprescindível no mesmo.

Façamos um rápido experimento de nos colocarmos em silêncio por alguns minutos e veremos a consciência tomando seu assento como juíza, ponderando os feitos e os frutos do dia, as ações a serem empregadas no futuro e, se o silêncio for prolongado, refletiremos até sobre questões mais profundas. Não raro isso acontece, aliás, quando estamos deitados (e em silêncio!), prontos para repousar e o sono não nos encontra. Um turbilhão de pensamentos e ideias, geralmente sobre o dia que se passou, toma conta das nossas mentes.

Tal é o poder do silêncio: a consciência, nele, encontra espaço para falar abertamente pelo tempo que a deixarmos falar. Quem fica em silêncio não foge da própria consciência.

Entretanto, também é fácil constatar que vivemos em tempos barulhentos. Aqui, podemos distinguir duas espécies de barulhos ou ruídos: os involuntários e os voluntários. Ruídos involuntários são aqueles aos quais estamos expostos por necessidade - por exemplo, os motores dos carros, as sirenes de polícia, o burburinho das pessoas à nossa volta. Ruídos voluntários são aqueles aos quais nós mesmos nos expomos por vontade própria - por exemplo, escutar música, assistir à televisão e assim por diante.

Como o triunfo do barulho é patente nos dias atuais? Fora do lar, especialmente, os ruídos involuntários nos assaltam até mesmo nas igrejas, onde antes reinava o silêncio e, desde algumas décadas atrás, ele desapareceu de lá; dentro do lar, adoramos a falsa companhia da televisão e frequentemente estamos com fones de ouvido. A maior parte dos jovens frequenta festas barulhentas e escuta cacofonia à qual chamam de música.

O resultado, deduzível do que acima esclareci, é o que se segue: a consciência cada vez é mais afastada, o silêncio passa a ser incômodo. A falta de silêncio induz o homem ao coma, mais ou menos perceptível de acordo com o grau de esfumaçamento da consciência, consciência essa que todo homem naturalmente possui de evitar o mal e praticar o bem.

Esse esfumaçamento é produto da ignorância e distorção que o homem libertino dispensa a tal diretriz. Resultado contrário é adquirido pela virtude.

Sem o império do espírito e da razão como juízes das atitudes, conquistado/reforçado pelo exercício do recolhimento/silêncio, o sensível passa a governar. Despoja-se o homem daquilo que lhe faz ser homem: animal racional. Daí os vícios, os crimes, a barbárie. Daí o comportamento de rebanho, cegos guiando cegos para as modas e as ideologias mais absurdas e inimagináveis para qualquer mente sã.

A sociedade em ruínas é, não coincidentemente, a sociedade do ruído.


quarta-feira, 17 de abril de 2019

"Amigo, a que vieste?"


Breve reflexão sobre a Divina Misericórdia e o sacramento da penitência com base nos ocorridos da Quinta-Feira Santa

Ilustração de Gustave Doré 

Naquela fria e enevoada noite no Getsémani, o Horto das Oliveiras, Nosso Senhor Jesus Cristo padecia de mortal agonia ao antever os sofrimentos que cairiam sobre Sua Santíssima Carne em algumas poucas horas para a Redenção dos homens. Uma vez que tal sofrimento já estava presente desde o momento de Sua Encarnação na Imaculada e Sempre Virgem Maria, podemos conjecturar que foi aumentando exponencialmente até chegar a fatídica noite de Quinta-Feira e a madrugada da Sexta-Feira Santa, após Jesus ter instituído a Eucaristia e o sacramento da Ordem, reunido com Seus apóstolos na Santa Ceia. 

Se nós ficamos ansiosos e sofremos por antecipação em relação às menores situações da vida, o que dizer sobre a incomparável agonia de Cristo naquele instante, quando sabia perfeitamente quando e como cada um dos socos e bofetadas, cada um dos açoites e suas cruéis pontas de ferro, como cada um dos espinhos, dos cravos e cada uma das farpas da Cruz atingiriam Seu Santo Corpo? O próprio Senhor nos revela: "E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes, então: 'Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo'." (Mt. 26, 37-38).

Essa tristeza mortal certamente era ocasionada, para além do conhecimento de todos os sofrimentos físicos, pelo fato de amar infinitamente cada um daqueles que O maltratariam. Como disse São Francisco de Assis, "o Amor não é amado". Se dói para um pai ser rejeitado, ultrajado e ofendido pelo filho, quanto maior é a dor de Cristo, cujos laços com cada um dos homens são incomensuravelmente mais estreitos. E Jesus não apenas seria rejeitado por aqueles homens distantes, os pagãos romanos e os pérfidos judeus inconversos, mas por Seus discípulos mais próximos: São Pedro O negaria três vezes; quase todos, à exceção de São João, fugiriam e desapareceriam covardemente; Judas O trairia por míseras 30 moedas de prata. 

Vejamos especificamente o caso deste último, por ora. Nosso Senhor tinha pleno conhecimento de todas as dores que padeceria, tanto físicas quanto psíquicas; e essas dores seriam ocasionadas pela traição de Judas, e engana-se aquele que crê que Cristo não perscrutava o coração do traidor. Sabia exatamente quem o trairia, como, onde e quando isto se daria. 

Qualquer um de nós, quando nos deparamos com um conhecido que nos maldiz ocultamente, que não nos aprecia e até mesmo nos maltrata, rapidamente providenciamos a exclusão de tal pessoa de nossos círculos sociais. O menor contato possível com o adversário é um alívio, a melhor forma de manter a tão almejada paz. 

Jesus não. Judas esteve em Sua Presença até o princípio da Santa Paixão. Nosso Senhor jamais o expulsou e teve sempre presente todas as amarguras que esse discípulo Lhe traria. Entretanto, teve paciência: manteve-se próximo do pecador até que esse Lhe rejeitasse por completo e traísse o sangue inocente. 

Cristo faz o mesmo com cada um de nós, trata-nos com paciência e compaixão, possibilitando a nós todas as chances de nos agarrarmos à Graça de Deus e salvarmos nossa alma, o bem mais precioso do homem, ainda que lamentavelmente esquecido. E, se Nosso Senhor desaparece do nosso coração, não é porque deixou de nos amar, mas porquê nós O amamos pouco e O crucificamos novamente por inúmeras faltas.

Mas a Sagrada Escritura nos lembra de que há duas posturas perante a miséria do pecado: a primeira postura retratada é a de São Pedro, a segunda é a postura de Judas. Comecemos analisando a segunda, uma vez que conecta-se perfeitamente aos parágrafos anteriores. 

Sabemos que Deus não quer "a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta de seu caminho, e tenha a vida" (Ez. 33, 11), que "a maldade do ímpio não o prejudicará, desde o dia em que se converta de sua impiedade” (Ez. 33, 12), e que "se o ímpio fizer penitência de todos os pecados cometidos; se guardar todos os Mandamentos [de Deus]; se proceder com equidade e justiça: é certo que terá a vida" (Ez. 18, 21). Haveria, portanto, perdão para o pecado de Judas, ainda que fosse o maior de todos.

Como o ímpio deve buscar a Deus? Também nos mostra a Sagrada Escritura: "Quando buscares o Senhor teu Deus, encontrá-lO-ás, contanto que O busques de todo o teu coração, e com toda a angústia da tua alma" (Deut. 4, 29) e "Buscar-Me-eis, e haveis de achar-Me, se Me procurardes de todo o vosso coração. Então, deixar-Me-ei encontrar por vós, diz o Senhor" (Jer. 29, 13-14). É certo que Judas ficou angustiado pelo pecado que havia cometido, "tomado de remorsos" (Mt. 27, 3).

Ora, se havia perdão para o pecado de Judas e se o mesmo ficou repleto de remorso, por quê não obteve perdão? Pois não buscou a Deus de todo o coração, como nos ensina as passagens supracitadas, nem confiou na Misericórdia Divina, desesperando-se da salvação e tirando a própria vida. 

Eis a primeira postura perante o pecado: a postura de Judas, verdadeiramente demoníaca por não confiar no Bom Deus que enviou Seu Próprio Filho para nos redimir através de dolorosíssima Paixão, por total liberalidade e misericórdia, uma vez que não é Ele que precisa do homem, mas o contrário. Passemos agora à segunda postura perante o pecado: a postura de São Pedro.

De comportamento enérgico, São Pedro disse com firmeza que jamais negaria Cristo, e que se fosse necessário morreria com Ele. Entretanto, quando perguntado pelos criados da casa do Sumo Sacerdote se conhecia Nosso Senhor e se andara em Sua companhia, negou três vezes. Pecado sem dúvida enorme. Jesus já advertira diversas vezes o que Lhe sucederia, inclusive imediatamente antes de se encaminhar com os apóstolos para o Jardim das Oliveiras: "Disse-lhes então Jesus: 'Esta noite serei para todos vós uma ocasião de queda; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho serão dispersadas [Zc. 13, 7]. Mas, depois da minha Ressurreição, eu vos precederei na Galileia'." (Mt. 26, 31-32). O Príncipe dos Apóstolos dissera que jamais O negaria e, vendo-O completamente desamparado, cuspido, esbofeteado e ofendido de todas as formas, abandonou-O.

Porém, eis agora a essencial diferença entre Judas e São Pedro: "Pedro recordou-se do que Jesus lhe dissera: 'Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes'. E saindo, chorou amargamente" (Mt. 26, 75). Ele fez como o salmista: "Estou fatigado de tanto gemer. Todas as noites, lavo meu catre com lágrimas" (Sl. 6, 7), e sabia que o resultado disto seria o seguinte: "O Senhor escutou o clamor do meu pranto" (Sl. 6, 9). Como lembrou-se da palavra que o Senhor lhe dirigira pessoalmente, lembrou-se do que dizem as Escrituras, a mesma palavra de Deus: "Convertei-vos a Mim, de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas, com lamentos. E rasgai vossos corações" (Jl. 2, 12).

São Pedro teve uma contrição perfeita, confiando plenamente na Misericórdia de Deus, a ponto de dar a sua vida por Cristo posteriormente. O apóstolo covarde tornou-se corajoso, crucificando seus vícios e seus temores humanos junto a Nosso Senhor e confiando plenamente nEle. 

Nessa Semana Santa, façamos como São Pedro, confiando integralmente na Bondade Divina. Como São Paulo, perguntemos a nós mesmos: "Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós O entregou, como não nos dará também com Ele todas as coisas?" (Rom. 8, 33). Nada pode nos separar do Amor de Deus, apenas o pecado. E para o pecado há perdão, não sete vezes, mas setenta vezes sete (Mt. 18, 22). Com a confiança de que Deus é "o remunerador daqueles que O procuram" (Heb. 11, 6), procuremos um sacerdote e realizemos uma boa confissão, para que recuperemos com toda a força a saúde da alma.

Com total certeza na vitória de Cristo sobre a morte na Ressurreição, também esperemos a Vitória, desde que tenhamos um firme propósito de emenda e façamos o que a Santa Igreja nos pede. "Se morrermos com Ele, com Ele também viveremos. Se perseverarmos no sofrimento, havemos também de reinar com Ele" (2 Tim. 2, 11).

Cristo nos espera ansiosamente, como esperava Judas no Getsémani. Nosso Senhor nos dirigirá as mesmas palavras que dirigiu ao traidor: "Amigo, a que vieste?" (Mt. 26, 50). Que nossa resposta seja diferente daquela de Judas, desta forma: "Senhor, não vim trai-lO, não vim para entregar o Sangue Inocente, mas para entregar-me inteiramente a Vós. Sois meu amigo, mais verdadeiro e mais fiel que todas as amizades terrenas, e em Vossa Presença quero estar por toda a Eternidade. Pela Vossa Misericórdia, aceitai novamente este filho pródigo que chora amargamente, da mesma forma que São Pedro uma vez chorou e recebeu o perdão. Assim como ele lembrou-se do clamor do salmista, também eu digo: 'Não desprezareis, ó Deus, um coração contrito e humilhado' (Sl. 50, 19)".

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Notre-Dame: as chamas tardias da Revolução

O incêndio que impactou o mundo na Semana Santa possui uma íntima relação  simbólica com a História da França e da Cristandade



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O mundo assistiu, pasmo e incrédulo, ao incêndio que acometeu hoje, em plena Segunda-Feira Santa, a belíssima catedral de Notre-Dame de Paris, no coração da França; o símbolo máximo da Cristandade, construído naquela terra que fora outrora a Filha Primogênita da Santa Igreja Católica desde o batismo de Clóvis, no longínquo século V, primeiro rei cristão dos francos e terror dos bárbaros seguidores do arianismo. 

Tal data marcou para sempre o destino da Igreja e da França. Enquanto essa última honrasse filialmente aquela primeira, seria a joia mais brilhante da civilização cristã: território de inúmeros e imensos mosteiros como Cluny; de catedrais incomparáveis como a própria Notre-Dame e Chartres; de santos magníficos como Santa Joana d'Arc e São Luís de Montfort; do esplendor máximo da monarquia e da cavalaria cristã com São Luís IX.

Faz-se necessário recordar um trecho da carta que o grande Bispo de Reims, São Remígio, enviou para Clóvis quando de sua ascensão ao trono, em 481 d. C.:
"Vela para que nunca te abandone o juízo de Deus, a fim de que, por teus méritos, logres conservar esse posto que conquistaste por tua indústria e nobreza, porque, como diz o vulgo, os atos do homem se provam pelo seu fim. Rodeia-te de conselheiros que honrem teu discernimento. Sê prudente, casto e moderado; honra os bispos e atende seus conselhos, pois se vives em harmonia com eles, darás bem-estar ao país. Consola os aflitos, protege as viúvas, alimenta os órfãos, faze com que todo mundo te ame e te tema. De teus lábios saia a voz da justiça, deixa aberta a todo mundo a porta de tua presença. Joga com os jovens, posto que és jovem, mas aconselha-te com os anciãos. E se queres reinar, mostra-te digno disso."
O santo bispo dizia ao jovem rei tudo o que ele deveria fazer para que cumprisse bem seu dever: ordenar tudo a Deus, o bem temporal servindo ao bem espiritual, a espada terrena submissa à espada espiritual através de uma conduta prudente, casta e moderada, respeitando os direitos e os deveres da Igreja. Enfim, realizando aquilo que Leão XIII escreveu de maneira brilhante na encíclica Immortale Dei: a filosofia do Evangelho governando a nação. 

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O Batismo de Clóvis, por François-Louis Dejuinne (1786–1844)

A França gozou da verdadeira paz que apenas o Senhor de todas as nações e povos pode conceder. Floriu como nunca no reinado de São Luís IX, monarca que cumpriu magnificamente, no áureo século XIII, o que o Bispo de Reims aconselhara ao seu antepassado. Além de fundar hospitais, escolas, lutar em duas cruzadas, agir com extrema justiça (muitas vezes exercida pessoalmente nos bosques de Vincennes) e fazer ecoar imensa caridade para com os doentes, as viúvas, os órfãos, os pobres e os inimigos da França, escreveu ainda ao filho Filipe: 
"(...) Mantenhas os bons costumes do teu reino e expulses os maus costumes. (..) Honres e ames todas as pessoas da Santa Igreja, e tenhas cuidado para que nenhuma violência seja feita a elas, e que as doações e esmolas que os teus predecessores deram a elas não sejam retiradas ou diminuídas. (...) Ame-as e as honre para que possam fazer em paz o serviço de Nosso Senhor. (...) Eu te aconselho sempre a ser dedicado à Igreja de Roma, e ao Soberano Pontífice, nosso pai, e prestar a ele a reverência e a honra que tu deves ao seu pai espiritual."
Notemos mais uma vez o que diz o santo rei. Se o sucessor quisesse governar de maneira estável e profícua, deveria manter os bons e expulsar os maus costumes, inclusive os próprios, daí a primeira parte da carta se referir aos deveres diretos para com Deus, evitando o pecado mortal e ouvindo atentamente a Santa Missa. Só é possível manter os bons costumes do reino através de uma Igreja forte, auxiliada pelo Estado em sua tarefa imprescindível de salvar as almas, aplicando os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo pelos Sacramentos. Como o corpo não exerce suas funções desconectado da cabeça, assim o rei deve obedecer ao Papa, representante de Cristo na Terra e cabeça da Igreja. 

Essa era a França católica até o século XIV, quando Filipe IV o Belo, neto do santo monarca, passou a concentrar o poder em suas mãos em detrimento da autoridade da Igreja, expulsando o clero dos assuntos governamentais. Bonifácio VIII, papa da famosa bula Unam Sanctam, chegou a ser esbofeteado por Sciarra Colonna, partidário do rei, e preso. Uma inversão radical na História da França tem seu germe na ocasião: a espada temporal insubordinando-se contra a espada espiritual e a Igreja rendida a um Estado sedento pelo poder. Que diferença encontramos entre Filipe IV e São Luís! Mas a diferença entre Estado e Igreja seria expandida até chegar à semelhança de uma abismo. 

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Sciarra Colonna esbofeteando Bonifácio VIII

Passaram-se os séculos e o Estado moderno se formou. Pouco a pouco, as camadas intermediárias da sociedade, os chamados "Estados", perderam a importante posição que ocupavam na monarquia temperada medieval. A nobreza começou a ser figurativa. O auge da dissolução foi a Revolução de 1789, de cunho anticristão, verdadeiramente satânica, como a chama Joseph de Maistre. As corporações de ofício foram abolidas; à nobreza restou ser completamente banalizada e ridicularizada com Napoleão.

Em seu período mais aterrorizante, a Revolução massacrou os clérigos e religiosos que não se submeteram à vergonhosa e lamentável Constituição Civil do Clero, cerceante dos direitos que Deus legou à Sua Igreja. Os camponeses e nobres da Vendeia, num incrivelmente virtuoso levante contrarrevolucionário da moribunda França, foram trucidados às centenas de milhares. Nas palavras do general republicano François-Joseph Westermann, em 23 de dezembro de 1793:
"Não há mais Vendeia. Ela pereceu, com suas mulheres e crianças, sob a nossa espada da liberdade. Seguindo suas ordens, eu esmaguei as crianças sob os cascos dos nossos cavalos, e massacrei as mulheres - elas não darão mais criança alguma para esses rebeldes. Não tomei um só prisioneiro."
As maiores barbaridades, blasfêmias e irracionalidades foram cometidas pelos revolucionários: multidões enviadas para a guilhotina em meses; instalaram-se cultos "laicos", de viés naturalista e racionalista; zombava-se de tudo que é santo, destruíram-se as igrejas, a catedral de Notre-Dame tornou-se um armazém de alimentos e suas obras foram saqueadas; profanaram-se as tumbas dos reis; a lista é extensa. Depois, a Concordata de Napoleão forneceu às ideias da Revolução o triunfo sob uma aparente tinta conservadora. A Igreja passou a depender de benefícios do Estado, como se não fosse Deus quem instituísse toda autoridade legítima (Rm. 13, 1). O imperador estrategista, tomando a coroa das mãos do papa Pio VII, selou definitivamente aquela desordem iniciada por Filipe IV: o Estado acima da Igreja, a espada temporal rebelada contra a espada espiritual. 

O resultado da Revolução na França é uma sociedade contrária à autoridade divina, que nega sua herança católica e monárquica, que destrona Nosso Senhor Jesus Cristo e despedaça os direitos de Deus para gritar "Vive la République" e louvar os pretensos direitos do homem. Que bela e inteligente noção de homem, essa dos revolucionários: ser contingente que recusa Deus Criador, mantendo-se distante da Perfeição, limitado em todos os sentidos de sua existência e vivendo na escravidão do pecado, clamando que conquistou a liberdade.

Os afogamentos de Nantes: inúmeros católicos, em sua maioria padres, mulheres e crianças, foram despidos de suas roupas, amarrados conjuntamente e afundados no rio. Pintura de autoria anônima.

Como se não bastasse a apostasia ocasionada pelo liberalismo, ainda há o problema do grande fluxo de muçulmanos que chegam à França e lá constituem famílias numerosas, papel que foi completamente esquecido pelo homem e pela mulher ocidentais, que preferem possuir um animal de estimação e viajar pelo mundo, vivendo confortavelmente e sem quaisquer responsabilidades além da satisfação do próprio ego, ao invés de gerar uma prole herdeira da espiritualidade e cultura cristã que lhes foi legada por grandes santos, ápices do heroísmo na História.

A destruição de igrejas na França não é novidade, nem algo remoto cuja poeira dos séculos encobriu. A Igreja de Saint-Sulpice, na capital do país, sofreu com o poder das chamas recentemente. Apenas em março passado uma dúzia de igrejas foram atacadas. Há que se considerar também as igrejas que foram demolidas ou estão sob o risco constante de demolição por "gerarem muitos gastos ao Estado francês". Culpa, em grande parte, do arrefecimento na Fé: apenas 5% dos católicos franceses vão à Missa; isso não é nem 2% da população no total. Não pensemos, porém, que tal enfraquecimento tem sua origem em fatores externos; encontra suas raízes no modernismo, triunfante a partir do Concílio Vaticano II, chamado de "a Revolução de 1789 na Igreja" pelo Cardeal Suenens. Tal triunfo não será, contudo, duradouro: as portas do inferno jamais prevalecerão contra a Igreja, como prometeu Nosso Senhor mesmo (Mt. 16, 18).

A ruína de Notre-Dame pelo fogo é o símbolo visível do que ocorre no espírito da nação francesa e na Cristandade em geral há muito tempo, consumido pelo fogo satânico do hedonismo, do consumismo, das ideologias perversas que ecoam o grito perverso de Lúcifer, "Non serviam". Toda sociedade que recusa Cristo como rei terá Satanás como governante: "Quem não está comigo está contra Mim; e quem não ajunta comigo, dispersa" (Mt. 12, 30). Distantes do Salvador e legítimo Rei das Nações, resta aos povos observar passivamente o que ainda sobrou no mundo de belo, bom e verdadeiro ruindo, transformando-se em cinzas, enquanto anestesiam-se com os prazeres terrenos, esquecendo a Eternidade. 

Se a França, a Europa e a civilização católica como um todo irão ressurgir, isso não temos como prever; cabe somente à Providência e seus desígnios ocultos. Mas não nos custa repetir a estrofe da canção Le Seigneur appelle ses militants:
Mais de partout les ennemis nous agressent,
Et ils complotent pour que France disparaisse.
Nous voulons ce que Dieu veut pour la France:
Un Etat juste, digne et chrétien.
Mas de todos os lugares os inimigos nos atacam,
E eles estão conspirando para que a França desapareça.
Queremos o que Deus quer para a França:
Um Estado justo, digno e cristão.
Que o incêndio de tamanha joia da Cristandade acorde o povo francês e todos os outros, para que se submetam ao Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo por intermédio da Santíssima Virgem Maria, a quem a catedral é dedicada, rejeitando a apostasia liberal e o secularismo que envenenaram tanto as sociedades como as almas individualmente consideradas, e isso mesmo onde a parcela populacional dos católicos ainda é maioria.  

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O tempo fugaz, o homem imperfeito e a Verdade imutável

Mais um ano se encerra. 2018 anos desde a vinda de Cristo já se passaram. Há dois mil anos, o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem é ainda um simples carpinteiro na Palestina; aprende o ofício com seu pai, o justo São José. O maior Império da época tentará destruir os gérmens da Religião por Ele pregada, que cresce extraordinariamente no embalo das peregrinações dos “pescadores de homens”. Há mil e quinhentos anos, a Europa observa a ruína do mesmo Império que começara como uma pequena vila agropastoril no Lácio, e as hordas dos chamados bárbaros se apoderam dos seus territórios. Difícil missão trazê-los à Luz da Verdade, que alcança sucesso inimaginável. Há mil anos, ao passo que enfrenta os ataques e pilhagens de escandinavos e sarracenos, a Cristandade começa a tornar-se fato consumado graças ao empenho dos monges, restauradores da fé, da cultura e até mesmo da economia no Velho Continente. 

Há quinhentos anos, a Revolução de Lutero abala a Europa, enquanto as Américas, bem como partes da África e Ásia, começam a receber a Luz da Boa Nova graças a duas pequenas nações que, não satisfeitas com o pequeno espaço que a Providência lhes reservara na Península Ibérica, navegam pelos oceanos e mares bravios com o auxílio da mesma Providência para conquistar mais que terras: almas, e aos milhões. Muito além das riquezas terrestres, acumularão riquezas no Céu. A própria Virgem Maria descerá ao Tepeyac e sua imagem aparecerá posteriormente no rio Paraíba, tornando-nos herdeiros daquela mesma Cristandade que se esfacelava diante do monge rebelde e seus asseclas. 

Há dois séculos, o mundo experimenta, em diferentes graus e sob diferentes formas, os efeitos trágicos da Revolução liberal francesa, inspirada pelo enciclopedismo iluminista. Novamente, não faltam aqueles que se insurgem contra a nova ordem, verdadeira desordem, da sociedade: Alguns nobres, sacerdotes fiéis a Deus e ao rei e camponeses que preferem a liberdade e fraternidade concreta sob a égide cristã ao invés da criação abstrata revolucionária levantam-se nas regiões interioranas do noroeste francês. Há um século, o mundo vê horrorizado os primeiros desastres da Revolução Comunista na Rússia. A Igreja levanta-se, uma vez mais, contra o totalitarismo ateu e, décadas depois, contra a falsa oposição também totalitária, e pagã. Concomitantemente, ocorre o fim de uma guerra brutal que supostamente acabaria com todas as guerras. Vã ilusão de um mundo secularizado, destroçado pela filosofia moderna e seus múltiplos enganos: crer no primado da paz tendo expulsado o Príncipe da Paz. 

Há meio século, a tecnologia avança como nunca: o mundo torna-se cada vez menor frente à velocidade das comunicações e dos transportes, o homem está prestes a visitar a Lua e a tensão da Guerra Fria faz-se presente. Na Igreja, modernistas e comunistas se infiltram e parecem, por vezes, triunfar. Mas Deus nos lembra da Sua Promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela” e homens fiéis à Tradição Católica combatem o inimigo com a coragem de leões. Novas revoluções vêm à tona, erros antigos repetidos à exaustão contra a Verdade sob a aparência de novidade seguem na vã tentativa de derrotar o Vencedor, cindindo a ordem natural da sobrenatural e, como consequência, desordenando aquela mesma ordem. 

Curioso é observar a relação do homem com o tempo na longa história dos séculos: esse ser imperfeito, com o intelecto sujeito a enganos e a vontade sujeita a desânimos parece querer assenhorar-se do relógio. Deveria aprender que o homem não é sequer senhor de si mesmo. Completa-se quando se subordina ao Sumo Bem, à Perfeição que é Deus, O qual tudo criou e jamais foi criado. Afastado dEle, o homem tem pressa. Economizar o tempo através do avanço tecnológico, da energia elétrica, do carro, do avião, das redes sociais: este é seu objetivo. Tenta, ao viver atarefado no mundo, economizando e ocupando o tempo para auxiliar o progresso material, fugir do inexorável destino de toda criatura: a morte. Assim ocorre com os vegetais, com os animais brutos e conosco. Cedo ou tarde, a natureza decaída virá cobrar seu soldo. Que importa, então, controlar o tempo? 

Longe de cair no engodo niilista, desesperançado e, por isso mesmo, desgraçado. O que diferencia o homem dos demais animais é possuir uma alma racional, que viverá eternamente e que, após a ressurreição dos corpos, estará junta ao corpo com o qual passou nesta terra. Os caminhos apontam para a Felicidade ou a condenação. Sabendo que está distante de Deus, o homem moderno foge da morte como o diabo foge da Cruz. Em meio a tantos afazeres e distrações, ele se esquece de cuidar da própria alma, o bem mais precioso que o Criador deu a cada um de nós. 

Ainda que a noção da condenação nos assole, razão não temos para temer com tal pavor que fiquemos desesperados. Assim como a história mostra a criatura humana, andarilha numa terra que lhe pertence apenas por algum tempo, sempre pequeno, ainda que Deus estabeleça quão pequeno é com ligeira diferença para uns e para outros, mostra-nos ainda o seguinte: não importa o quanto o mundo gire ou quantas revoluções estourem, a Cruz continua a mesma. A Verdade é imutável, indestrutível e imperecível. Não se veste com as roupagens das modas nem caminha conforme os tempos: continua sempre invicta, resistente e intacta. 

Que aparentemente seja derrotada não é coisa nova: a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz também pareceu derrota aos olhos do mundo. Bem sabemos que, na verdade, ela feriu mortalmente a verdadeira morte: a do pecado. E Cristo vence, Cristo reina e Cristo impera. Quanto aos Seus seguidores, à palma das torturas e do martírio, físico ou não, segue-se a coroa da Glória. Loucura para os pagãos, essa é a linguagem da Cruz: escrita com Sangue Inocente que redime o homem, germina e dá inúmeros frutos em todo o orbe terrestre. 

Os anos vêm e vão na longa aventura humana. Não faz essencial diferença àquele que sabe o que lhe espera e busca a Verdade com um coração sincero a todo instante, no presente. É um novo ano de combate à carne, ao mundo e ao demônio. É um novo ano para ganhar o Céu. É um novo ano para entronizar este Rei que é Cristo no coração e, sobre a base de uma sólida vida privada, dar testemunho dEle na vida pública. Que tenhamos todos consciência de tal dever, para que não sejamos escravos do tempo e deixemos para depois, tal como aqueles que acreditam serem senhores do relógio quando Deus o tem nas mãos, aquilo que pode ser feito hoje para a nossa salvação e do nosso próximo.

Temperança. Retidão. Coragem. Fé. Uma estátua que traduz a atitude do homem que ama a Verdade em relação aos tempos e seus costumes.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Diretrizes para o católico sob o governo Jair Bolsonaro

Em meio ao otimismo exacerbado dos neoconservadores e do medo histérico e coletivo da esquerda, sigamos a Igreja, nossa Mãe e Mestra


Bolsonaro visitou o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, no dia 17 de outubro e firmou compromisso com os valores católicos

No último domingo (28), dia de Cristo Rei no calendário litúrgico tradicional, o Brasil assistiu, tenso, uma histórica eleição. De um lado, Jair Bolsonaro (PSL), candidato sem o apoio da grande mídia, achincalhado pela esquerda, com poucos recursos financeiros para bancar a campanha, reforçando os valores da família, da vida, da propriedade privada, da subsidiariedade - “mais Brasil, menos Brasília” – e falando sobre Deus acima de tudo. Do outro lado, Fernando Haddad (PT), com um plano de governo bolivariano, totalitário, destruidor da família, aniquilador da vida humana pela promoção do aborto, louvado como tolerante e sob as aparências de bom moço. 

As urnas deram a vitória ao primeiro, acabando com a hegemonia da esquerda no poder que já durava décadas, numa falsa alternância entre a centro-esquerda social-democrata PSDBista e a esquerda populista petista. Os revolucionários reagiram com a histeria de sempre: “vai ter luta, seremos resistência!”. Aparentemente, o sistema democrático só é saudável e bom se elege alguém alinhado às suas ideologias pérfidas. 

O brasileiro, povo cujo conservadorismo católico e ibérico ainda está moribundo, aos poucos desperta. Entretanto, observando a euforia dos setores mais à direita e a histeria daqueles à esquerda, decidi escrever o artigo presente, destinado aos irmãos de fé, mas certamente não desprezível aos demais, a fim de apontar e ponderar fatos que passam despercebidos em momentos de apaixonado calor político. 

Em primeiro lugar, é preciso considerar que a esquerda obteve algum sucesso eleitoral: 47 milhões de votos, governadores no Nordeste, a maior bancada da Câmara (PT). Em geral, vimos o establishment seriamente prejudicado após a votação; mas é fato que a esquerda atrapalhará o novo presidente de todas as formas possíveis, com audácia e utilizando-se de variados artifícios. Além do mais, vemos hoje a formação da esquerda do futuro, representada em grande parte pelo PSB e pelo PDT, ambos integrantes do Foro de São Paulo. 

Em segundo lugar, muitos atribuem o fenômeno Bolsonaro a um ou outro personagem, idolatrando líderes que, apesar do papel que desempenharam, estão um tanto distantes do que a Doutrina da Igreja, social, econômica e politicamente falando, prega, e estão igualmente distantes da realidade histórica e sociológica do Brasil, inspirando-se num conservadorismo anglo-saxão que é, em inúmeros pontos, diametralmente oposto às nossas raízes católicas e lusas. 

Em terceiro lugar, faz-se necessário dizer que Bolsonaro está cercado por liberais e maçons. Se o comunismo foi veementemente condenado pelos papas, o liberalismo e maçonaria também foram, e de maneira clara: Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, São Pio X o fizeram através de numerosas encíclicas; diversos prelados e sacerdotes, como o pe. Henri Delassus e pe. Félix Sardá y Salvany, escreveram obras magistrais sobre o tema, além de inúmeros leigos de boa reputação. Convenientemente, boa parte da direita dita católica parece olvidá-los. 

É verdade que o governo Bolsonaro possivelmente dará mais espaço aos católicos, ainda que sob os auspícios liberais. O que os católicos fiéis à Sã Doutrina devem fazer para aproveitar a oportunidade, sem caírem na cegueira demasiadamente otimista ou na histeria? Trago abaixo meras sugestões de ação. 

Antes de qualquer coisa, o católico deve estar consciente de que a oração e a vida espiritual são anteriores à atitude exterior. Somos meros instrumentos de Deus e devemos estar unidos à Sua Santa Vontade, o melhor que pudermos. Decerto a batalha de Lepanto teria um resultado catastrófico se a armada católica tivesse confiado mais em suas próprias forças que em Deus, através do Santo Rosário. Mais ainda: a corrupção de um dos membros do corpo é prejudicial ao todo; a mão é deficiente se lhe falta um dedo, ou se o mesmo tem suas funções reduzidas por ferimentos. Assim, a vida na graça é essencial. Comecemos a transformação do país pela transformação de nós mesmos, pois, mais que uma crise política e econômica, passamos por uma crise moral, verdadeira crise de santos. 

Devemos manter a vigilância, primeiramente interna, para evitar a confusão que o pecado causa na alma, tal qual o navio em mar tempestuoso. Externamente, a vigilância se dará no combate às mentiras. Os inimigos da Fé e da Pátria nunca descansam. Uma ilustração disso é a insistência no tocante ao aborto pelas mais distintas vias, especialmente a judiciária. A eleição está ganha, mas a guerra perdura: a esquerda precisa ser respondida sem subestimá-la, nem sempre com chavões e piadas, mas com a inteligência e obras profundas, e os liberais, num futuro não muito distante, também necessitarão de contraponto. O país precisa de uma elite intelectual católica que conheça seus inimigos, e mais: que conheça o Brasil. Ademais, são as elites que governam as nações. 

Assim, cabe ao católico já firme na fé estudar a doutrina comunista e a liberal, conhecendo o modus operandi de ambas, tendo em mente que o liberalismo conquista espaço nas leis e na sociedade por um movimento por vezes imperceptível, alterando seu propósito conforme o nível de degradação daquele povo: da separação Igreja X Estado veio a separação Igreja X família e agora Igreja X indivíduo; do casamento como mero contrato veio o divórcio e a posterior aceitação da união homossexual; da liberação de meios anticoncepcionais artificiais veio a liberação do aborto; etc. Também importa ao católico brasileiro estudar seu próprio país, sua história e sua cultura. Há bons autores que caíram no quase esquecimento, entre eles José Pedro Galvão de Sousa e João Camillo de Oliveira Torres. 

Cabe igualmente aos católicos, especialmente aos representantes eleitos e aos integrantes dos vários centros formados e em formação, aproximar as propostas inspiradas no ensinamento da Igreja das figuras públicas, a fim de influenciar diretamente o governo. Não podemos ser apáticos, como alguns quiseram ser no período eleitoral, abstendo-se do apoio ao mal menor. Além disso, como o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo depende de uma estrutura com base sólida para atingir o topo posteriormente, é necessário pensar em iniciativas de catequização do povo, ludibriado por um clero em larga medida conivente com a destruição das almas, para que conheça a Sã Doutrina, e colocá-las em prática desde logo. 

Tenhamos sempre em mente que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei e devemos dar o que Lhe pertence por direito, como Criador de todas as coisas, sendo Homem-Deus, e por conquista, uma vez que resgatou-nos pelo Seu Preciosíssimo Sangue. Não é, portanto, a construção de uma situação nova e que os inimigos chamam de utópica, mas o justíssimo reconhecimento do que já existe. Animados pela confiança inabalável na Santíssima Virgem de Aparecida, padroeira da nossa amada nação, não cansemos de lutar pelos direitos de Deus em um mundo cada vez mais inundado de laicismo e das falsas liberdades e falsos direitos do homem. 

P. S.: Não nos esqueçamos de, assim como rezamos pela derrota do mal iminente nas eleições, colocar dia após dia em nossas preces o novo governante do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e todos os demais parlamentares e governantes eleitos.



sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A independência que o Brasil precisa

"Uma nação não se perde porque uns a atacam, mas porque aqueles que a amam não a defendem." - Don Blas de Lezo y Olavarrieta.
Dia 7 de setembro é aquele fatídico dia em que grande parte dos brasileiros, mesmo aqueles que não se importam com a Pátria nos outros 364 dias do ano, chegando mesmo a odiá-la, ao menos tomam conhecimento de quais são as cores presentes na bandeira nacional, e talvez escutam nosso hino em algum desfile cívico. Em 1822, o Brasil separou-se do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, dando origem ao que seria, por menos de 70 anos, o Reino e posteriormente Império do Brasil, hoje desgraçadamente republicano, a partir do golpe de 1889. Mas o presente artigo está longe de ser um extenso estudo histórico, político e sociológico do país. Tratem-no como uma curta coletânea de pequenas considerações acerca da nossa nação, deixando de lado o nacionalismo barato e maléfico e trazendo à tona um patriotismo saudável, aninhado sob as asas da Verdadeira Religião. 

Ora, o subtítulo do artigo é o dito de um almirante espanhol. Qual o motivo? Para quem não o conhece, forneço alguns rápidos dados biográficos a respeito de Don Blas de Lezo: era basco, entrou para a Marinha com apenas 12 anos e passou as próximas quatro décadas de vida envolto em batalhas a serviço de sua Pátria, do Rei e, por conseguinte, de Deus. O Império Espanhol era, ainda que decadente nos conturbados séculos XVII e XVIII, o bastião da Cristandade. Blas foi ferido em combate vezes sem conta, perdendo um olho, uma perna, teve um braço completamente inutilizado, sua postura encurvou-se e por isso foi apelidado de medio-hombre de maneira depreciativa pelos inimigos. Chegou ao posto equivalente ao de Almirante e, com uma frota de apenas seis navios e alguns milhares de homens, enfrentou a maior invasão pelo mar até o Desembarque da Normandia, quando os ingleses e seus quase 200 barcos quiseram conquistar Cartagena e levar o Império Espanhol à bancarrota definitiva. Os anglicanos confeccionaram medalhas e moedas comemorativas antes do resultado final, pois a vitória era dada como certa. Ah, vão pensamento! Don Blas de Lezo venceu, heroicamente. E mais que ganhar a batalha, é provável que também ganhou o Céu, ao falecer na amizade com Deus naquele dia 7 de setembro de 1741. Foi esquecido, até mesmo em sua pátria. Nem ao menos se sabe ao certo onde estão seus restos mortais. Tal personagem certamente parece saído daquelas lendas nacionais fantásticas, ou dos filmes de Hollywood. Entretanto, ele existiu: o amor a Deus, em primeiro lugar, e à Pátria levou Don Blas a feitos heroicos, e sua frase encaixa-se perfeitamente no cenário nacional. Explicarei.

Os acontecimentos da última semana foram acentuadamente trágicos, com o incêndio no antigo Palácio Imperial, bastião de 200 anos de história e pesquisa, com um acervo que ultrapassava nossas fronteiras, chegando ao Antigo Egito e à Pré-História, e o atentado contra o presidenciável Jair Bolsonaro, opção de voto, ainda que longe de ser perfeita, para os milhões de católicos no país. Providencialmente, ele permanece vivo e em estágio de recuperação. Em ambos os casos vê-se a influência maligna do ideário esquerdista: o Museu estava sob a tutela da UFRJ, antro PSOLista. Dinheiro para exposições imorais e espetáculos de música degradante há, mas para a salvaguarda da memória nacional, não; no outro ocorrido, o criminoso que tentou assassinar Jair, Adelio Bispo de Oliveira, foi filiado a tal partido e, mesmo depois do afastamento, seguiu apoiando a liberdade de Lula, páginas leninistas, marxismo em geral: seu ato foi desejado por muitos, e o sadismo tomou conta dos escritórios, salas de aula, ruas e ambientes virtuais, onde os mesmos que se dizem contra a suposta "violência apregoada por Bolsonaro" zombaram, lamentaram que o óbito não se concretizou e duvidaram da veracidade do ataque por não enxergarem sangue. 

Que o socialismo fez e ainda faz um mal inenarrável ao Brasil, isso é um fato que qualquer um com boa-fé constatará se observar as últimas décadas. Derrotados militarmente pela revolução de 1964,  os partidários da esquerda imiscuíram-se nas escolas, universidades e mídia e conseguiram convencer  um número expressivo de militantes ativos e várias pessoas simples, através de uma linguagem repleta de promessas e migalhas de pão em troca de voto, e através da inveja, ira e avareza motivada pela visão do constante choque de classes da doutrina de Marx e a vontade niveladora, visando o fim das hierarquias e o igualitarismo total. Jogaram os negros contra os brancos, os filhos contra os pais, as mulheres contra os homens,  os alunos contra o professor, entre outros exemplos. São esses que, após incentivarem direta e indiretamente a subversão da desigualdade natural e da ordem criada e mantida por Deus sob o véu do bom mocismo, queixam-se a respeito do clima de instabilidade, ódio e acirramento das tensões, como se o próprio descontentamento social não estivesse relacionado a esse ataque violento, constante e literalmente corruptor ao brasileiro médio, de natureza pacífica, tradicionalmente ligado à religião e à família.

Entretanto, a mazela socialista não chegaria tão longe, e é provável que nem viesse à existência, se antes o liberalismo não preparasse o terreno, preparação essa que chegou no auge com a Revolução de 1789, derrubando o Rei e perseguindo a Igreja na França, os dois pilares que sustentavam a nação. Esse germe, já preparado por Locke, Rousseau, Voltaire e outros, penetrou nos principais países do mundo. Mesmo nossos monarcas e estadistas foram liberais, mantendo estreitas relações com a maçonaria em detrimento da Igreja: Dom Vital, bispo de Olinda, que o diga. O liberalismo deu origem ao sistema democrático moderno, eliminando as camadas intermediárias da sociedade entre o indivíduo e o Estado, agora laico, subvertendo sua significação e objetivo naturais e apartando a Pátria das suas raízes históricas através de um constitucionalismo de modelo americano. A própria Constituição de 1891 é profundamente baseada nos Estados Unidos. Desconsiderou-se nossa formação intrinsecamente municipalista, monárquica, lusitana, ibérica, latina e, acima de tudo, católica. Os índios e os negros, vistos hoje como explorados e oprimidos, aceitaram, em sua maioria, o catolicismo com devoção: os relatos mais antigos dos grandes catequizadores do Brasil e as confrarias de negros escravos e libertos, em Minas Gerais e outros estados, o comprovam. Negar tais raízes é negar o Brasil.

E é dessa independência que nossa nação precisa, tanto dos grilhões socialistas que agravaram o problema, a ponto de encontrarmos hoje uma multidão de jovens sem futuro, imersos em vícios que matam suas almas e em escolas decadentes que arrefecem sua inteligência, e uma multidão de vítimas de homicídio que somam a cifra impressionante de 60 mil (excluindo-se os desaparecidos e vítimas de outros crimes aviltantes), quanto do veneno liberal, que apartou a Pátria da Santa Cruz, veneno este que encontra-se arraigado em inúmeros círculos ditos conservadores e de direita, de matiz anglo-saxônica e que se entristece por não sermos colônia de piratas holandeses ou ingleses, laicista, utilizando-se da religião como mera ferramenta política, uma parte relativamente importante da cultura, e não como a Verdade que deve ser almejada por todo homem; olvidam-se de que o Estado tem a função de auxiliar a Igreja nesta tarefa, a espada temporal subordinada à espiritual, organizando a sociedade civil e respeitando o princípio de subsidiariedade, a autonomia da família, célula-mãe social, e de todos os organismos intermediários, associações e comunidades que decorrem da união das famílias. 

E como essa independência se dará? É necessário que os brasileiros tenham orgulho de sua história, não vergonha. Se amamos nosso país, devemos defendê-lo e, para defendê-lo, devemos conhecê-lo. O primeiro ato de grande porte celebrado neste solo foi a Santa Missa, em 26 de abril de 1500. Terra de Santa Cruz desde o princípio, reforçada pela aparição de Maria Santíssima em meio à simplicidade rural do começo do século XVIII. Herdeira de Covadonga, quando os visigodos cristãos venceram os muçulmanos invasores com o auxílio da Virgem, constituindo o Reino de Astúrias e iniciando a Reconquista. Herdeira de Ourique, quando Portugal formou-se do então Condado Portucalense por Dom Afonso Henriques, também com o auxílio dos céus. Nossa nação, já forjada com a alma apostólica e desbravadora de São José de Anchieta, de Manuel da Nóbrega, dos  navegadores portugueses que arriscavam suas vidas no mar revolto e rumo ao desconhecido, dos bandeirantes que adentravam as selvas mais fechadas, precisa voltar ao seio protetor da Santa Igreja, construtora e protetora da civilização. É somente com a adoração do coração de cada um de nós a Nosso Senhor Jesus Cristo, e com o consequente Reinado Social que daí decorre nas escolas, nas instituições, nas leis, na mídia, no governo, publicamente anunciado e sem escrúpulos, que o Brasil terá a tão almejada ordem e progresso. E cabe a nós, que temos amplo acesso à cultura, levar esse Brasil moribundo, mas curável, observável de maneira sutil na humildade dos rincões do país, onde a loucura moderna e urbana pouco penetrou, à luz novamente. 





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