domingo, 5 de abril de 2020

A entrada triunfal de Nosso Senhor em Jerusalém e o desprezo do mundo

Meditação para o Domingo de Ramos extraída do livro Vita Christi, utilíssima obra do venerável dominicano Frei Luís de Granada (1505-1588), e traduzida ao português




Findos os discursos e o ofício da pregação do Evangelho e chegando o tempo daquele grande sacrifício da Paixão, quis o Cordeiro Imaculado entrar no lugar onde sofreria e daria cabo da Redenção do gênero humano. Para que se visse com quanto amor e alegria de ânimo foi beber este cálice por nós, quis ser recebido neste dia com grande festa, com todo o povo vindo até Ele clamando em alta voz e entoando louvores, com ramos de oliveiras e palmas nas mãos e entendendo muitos vestidos pelo caminho, exultando em conjunto e dizendo: Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas.

Junta, pois, meu irmão, tuas vozes com essas vozes e teus louvores com esses louvores, e dá graças ao Senhor por tão grande benefício que aqui te faz, e pelo amor com o qual faz; ainda que Lhe devas muito pelo que por ti padeceu, muito mais Lhe deves pelo amor com que padeceu; ainda que os tormentos da Sua Paixão tenham sido grandes, muito mais padeceria se fosse necessário. Sai, pois, ao caminho para receber este Nobre Triunfador, e recebe-o com vozes de louvor e com ramos de oliveiras e palmas nas mãos, e estendendo tuas próprias vestes em terra para celebrar a festa dessa entrada: as vozes de louvor são a oração e a ação de graças; as oliveiras são as obras de misericórdia; as palmas são a mortificação e a vitória sobre as paixões, e o estender as vestes por terra é a penitência da nossa carne. Persevera, pois, em oração, para glorificar a Deus, e usa de misericórdia para socorrer o próximo, mortificando tuas paixões e castigando a tua carne, e dessa maneira receberás em ti o Filho de Deus.

Tens aqui também um grande argumento e motivo para desprezar a glória do mundo, em busca da qual os homens andam tão perdidos e pela qual cometem tantos excessos. Queres, pois, ver o tanto que se deve estimar essa glória? Coloca os olhos na honra que aqui dá o mundo a este Senhor, e verás que o mesmo mundo que hoje O recebeu com tanta honra, daí a cinco dias o teve como pior que Barrabás e pediu a Sua morte, e contra Ele gritou, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o! De maneira que, hoje, é tido como filho de Davi, o mais Santo dos santos, e amanhã é tido como o pior dos homens e mais indigno da vida que Barrabás. 

Que exemplo é mais claro para ver o que é a glória do mundo e o quanto se devem estimar os testemunhos e juízos dos homens? Que coisa mais leviana, caprichosa, cega, desleal e inconstante em seus pareceres que o juízo e o testemunho deste mundo? Hoje diz, amanhã desdiz; hoje louva, amanhã blasfema; hoje levianamente levanta sobre as nuvens, amanhã faz sumir nos abismos; hoje diz que sois Filho de Davi, amanhã diz que sois pior que Barrabás.

Tal é o juízo dessa besta de muitas cabeças e desse enganoso monstro que nenhuma fé, nem lealdade, nem verdade guarda com ninguém, e nenhuma virtude nem valor mede senão com seu próprio interesse. Não é bom senão quem é pródigo para com ele, ainda que seja pagão; não é mau senão o que lhe trata como merece, ainda que faça milagres, pois não tem outro peso para medir a virtude que o interesse, somente. O que direi das suas mentiras e seus enganos? A quem guardou fielmente a sua palavra? A quem deu o que prometeu? Com quem teve amizade perpétua? A quem conservou muito tempo o que deu? A quem vendeu vinho que não fosse aguado com mil angústias? 

Só isso o mundo tem de verdadeiro: que a ninguém foi fiel. É aquele falso Judas que, beijando seus amigos, entrega-os à morte; é aquele traidor Joabe que, abraçando ao que saudava como amigo, secretamente lhe enfiou a espada no corpo; anuncia vinho, vende vinagre; promete paz, e arma emboscadas. Mal de conservar, pior de alcançar, perigoso para ter e difícil de deixar: ó, mundo perverso, prometedor falso, enganador certo, amigo fingido, inimigo verdadeiro, lisonjeador público, traidor secreto! Nos precipícios, doce; nos prazeres, amargo; no rosto, brando; nas mãos, cruel; nas dádivas, escasso; nas dores, pródigo; parece algo, mas é vazio por dentro; por fora, florido; sob a flor, espinhoso!

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