Foi num sábado, 31 de outubro de 1517, que o padre Martinho Lutero da Ordem de Santo Agostinho, Mestre em Artes e Doutor em Teologia, professor de Sagrada Escritura na Universidade de Wittenberg, fixou na porta do velho castelo dessa cidade uma declaração que continha suas 95 Teses sobre o poder e a eficácia das indulgências. A disputa que isso abriu com Roma, não obstante, transcendeu a ordem disciplinar e dogmática e se desenvolveu posteriormente, trazendo consigo importantes consequências na ordem moral, jurídica e política. Não poderia ser de outra forma, já que a Cristandade, a res publica christiana, com todos os seus limites, defeitos e falhas, era um agrupamento hierárquico de povos, conectados entre si de acordo com princípios orgânicos de subordinação ao imperador e ao papa, as duas estrelas das quais São Bernardo de Claraval falou.
O ataque ao papado não poderia auxiliar, mas sim causar consequências imediatas ao imperador. Dessa forma, Lutero não poderia limitar sua revolução à negação na prática das autoridades da Cristandade, mas teve que forjar um sistema teórico (ou, mais precisamente, um sistema pré-ideológico) com uma clara dimensão prática, no senso aristotélico do termo: quer dizer, um sistema que fosse de caráter moral, jurídico e político. Consequentemente, uma visão histórica da Revolução Luterana, especialmente respeitando as categorias e preocupações filosóficas, deve ser completada por meio de outra que é mais formalmente filosófica em natureza. É isso que tentamos fazer, seguindo o caminho dos mestres do tradicionalismo hispânico da segunda metade do século XX que supuseram sua necessidade e a explicaram com clareza.
Olhando para o sentido da obra do professor Álvaro d'Ors, por exemplo, nós observamos que a mesma estava firmemente preocupada com uma consideração dos efeitos do Protestantismo na ética, na política, no direito e na economia, "contra a secularização do espírito 'europeu' não-confessional, contra a forma política do 'estado moderno', contra os 'direitos subjetivos', contra o 'capitalismo consumista'." Isso indicou, ao mesmo tempo e por essa mesma razão, a necessidade de uma análise crítica preliminar das consequências da Reforma Protestante e "um esforço perseverante para purgá-las por meio de atitudes novas e autenticamente cristãs: isto é, católicas; por meio de uma nova ética confessional da qual dependeria uma nova 'ordem mundial', um novo e justo conceito de direito e lei, e um desmantelamento do status quo capitalista". [1]
O professor Francisco Elías de Tejada, criador do Seminário Hispânico de Direito Natural e autor de uma esplêndida estrutura para entender as rupturas da Cristandade, por sua vez focou primeira e principalmente em Lutero - até mesmo se é claramente verdadeiro que:
Esse mecanismo luterano, que trabalhou nas consciências e foi um resultado direto da introdução do princípio da liberdade de interpretação, foi traduzido por Maquiavel ao comportamento, por Jean Bodin - por meio da 'soberania' - ao poder político, e por Hobbes ao direito natural (o qual Locke segue depois), consolidando assim seu poder sobre as instituições políticas europeias:
A oposição entre Cristandade e Europa, firmemente baseada sobre o pensamento tradicional hispânico, levou a uma aguda separação entre a geografia e a história da Europa, com a consequência implícita de sua contemplação como um conceito histórico, i. e., "um tipo de civilização, um estilo de vida, uma concepção de existência, aquilo que os alemães chamariam de Weltanschauung". O problema foi, então, transferido ao conteúdo dessa civilização. E aí começaram as discrepâncias.
Christopher Dawson, por exemplo, não admitiu realmente a diferença entre a civilização medieval e a moderna, de maneira que a última poderia ser tratada como nada mais que a prolongação da primeira. Outros, e aqui eu penso, por exemplo, em Augusto del Noce, insistiram sobre a divisibilidade da modernidade, uma parte em continuidade e outra em contradição com os séculos cristãos. [6]
É claro que a visão de Dawson estava enraizada no ambiente inglês, onde as formas da vida medieval foram preservadas em alto grau. A razão para tal preservação repousa no precioso presente da estabilidade, que permite aos homens e suas famílias ordenarem seu futuro de acordo com leis eternas. Talvez, a única força que possuiu essa estabilidade na idade contemporânea foi o Reino Britânico. Nada do tipo aconteceu no mundo latino e, em particular, no mundo hispânico. É isso que explica as visões opostas acerca do medieval e do moderno.
Dawson, com efeito, sustenta que - a respeito da maioria dos tópicos do assunto atual - a Espanha não era apenas uma parte integral da comunidade europeia, como também uma das criadoras da moderna cultura europeia, i. e., da cultura pós-renascentista E ele pensa que a real causa da falta de compreensão moderna da Espanha e sua cultura deve ser buscada no fracasso dos pensadores convencionais da Europa moderna em entenderem que, uma vez que tanto foi dito e escrito acerca das "duas Espanhas", acabaram caindo em um estado de esquecimento a respeito da realidade da existência de duas Europas; e que a Europa à qual a Espanha pertence - a Europa da cultura barroca - possui um maior grau de unidade internacional do que a cultura da Europa nórdica. Não obstante, a historiografia protestante da Europa do norte depreciou e minimizou a importância e o valor da cultura barroca. E Dawson nota que, surpreendentemente, a maioria dos historiadores espanhóis também não prestaram muita atenção a ela.
Mas a história não acaba aqui, uma vez que o conceito de Europa veio a ter resultados de peculiar importância na Espanha: se, no norte, a ideia de "Europa" foi associada com a tradição e, especialmente, com a ideia de Cristandade como uma unidade sobrenatural, na Espanha, em contraposição, ela adquiriu um caráter anti-tradicional, sendo associada com a inovação e a introdução de novas formas de vida e ideias revolucionárias e subversivas:
O pensamento tradicional espanhol, com efeito, sustenta que, entre a civilização medieval e a moderna, encontra-se o mal da secularização:
Isso significou que a Espanha veio a ser uma "Cristandade menor", uma espécie de Cristandade reservada, uma Cristandade fronteiriça, de retaguarda, que preservou no tempo o velho espírito que essa teve nas agonias da morte, vítima da Europa laicizada em quase todas as suas partes. E o "europeísmo" permaneceu como "o ideal de incorporar a Espanha à Europa moderna, uma Europa de coexistência e neutralidade religiosa, abandonando o senso do nosso passado, que sempre foi fiel à unidade política e religiosa do Catolicismo". [9] Só recentemente, com a aproximação da Espanha ao "nível europeu", é que essa nuance foi obscurecida, embora ainda retenha certa significância, pois as forças laicizantes continuam acolhendo o tema da Europa e da europeização para vender seus produtos culturais no mercado nacional.
O traço que caracteriza a Europa moderna - que, como vimos, é mera substituição fraudulenta da Cristandade - é a secularização que, em boa medida, é também resultado do Protestantismo.
A sociedade cristã, em suas origens, era uma rede de instituições que desfrutavam de autonomia interna de forma a permitir aos homens encontrarem sua liberdade dentro desse conjunto de sociedades diversas. A liberdade, então, era algo a ser desenvolvido num ambiente complexo de distintas sociedades e através do curso dos eventos humanos, incluindo os conflitos. E, enfim, a liberdade era coroada pela liberdade de se entregar a Deus e participar, deste modo, da liberdade divina.
É precisamente aqui que se vê um segundo traço da unidade cristã, devido à convicção vital da Idade Média de que toda realidade era obra de Deus: que todas as coisas foram criadas por Ele do nada e que, por isso, a realidade em geral era nada mais que uma dádiva - uma dádiva de Deus. A realidade possuía suas próprias leis, as quais eram reflexos do Amor e da Sabedoria Divina e, no homem, tais leis eram encontradas num arranjo especial, pois não somente se submetia à lei como governava ele mesmo, de acordo com o seu julgamento.
Em terceiro e último lugar, podemos ver que a sociedade medieval era organizada como um mundo sagrado. Dado que Deus criou o homem, toda Criação foi elevada a um nível sagrado: teve lugar o que pode ser chamado de divinização da realidade. Nesta, era apropriado distinguir, mas não separar, a Igreja e a comunidade política, o sobrenatural do natural:
A visão do mundo como sagrado fez com que o homem não fosse considerado somente como uma qualquer coisa específica ou instituição e nada mais do que isso, nem como um mero bloco de matéria desprovido de significado, mas como uma realidade sempre banhada pela graça de Deus. Sim, toda a realidade vivia sua própria vida, mas a vivia dentro da vida de Deus. Deus estava tão próximo do homem que o homem quase tocava-O fisicamente. O homem via Deus em todas as coisas que existiam. O símbolo mais dramático dessa sacralização do cosmos era o rito de coroação. Ainda que o rei ou o imperador não recebesse nenhum novo sacramento quando fosse coroado (pois há apenas sete sacramentos, nem mais, nem menos), ele recebia, através da coroação, um sacramental. Seu juramento às leis da terra e à justiça não era simplesmente um contrato entre o rei e seus súditos. Ao contrário, era um contrato no qual figurava Deus e Sua graça. A ordem política, tal como a ordem social, pertenciam à ordem do sacramental. O céu se confundia com a terra a fim de abençoar esta, e o tempo estava absorvido dentro da eternidade. Toda a criação seguia seu ritmo na vida trinitária de Deus Pai, do Filho e do Espírito Santo. A sociedade sagrada, em suma, era a consequência da Encarnação e da Redenção. Um Estado separado da Igreja, uma sociedade despojada do divino, uma religião restrita à privacidade da consciência individual seriam pesadelos e monstruosidades para um homem da Cristandade nos séculos em que ela floresceu. Ele desfrutava de uma união entre o natural e o divino que era o resultado da própria estrutura da existência, uma vez que esta havia sido transformada pela obra salvífica de Cristo. [10]
Embora possamos observar alguma tensão e mesmo oposição entre o humanismo renascentista e o protestantismo, os dois militaram juntos para esmagar esse mundo sacro e impulsionar a secularização. O primeiro tomou como ponto de partida um fundamento psicológico, que impactou a ordem sociopolítica e também tomou um sentido religioso. Psicologicamente, o homem descobriu potencialidades que pertenciam à natureza humana por si só, sem qualquer referência à graça de Deus. Como resultado, despojou-se o homem e a realidade natural do seu caráter sagrado. Adicionalmente ao impacto político dessa atitude, para o qual nós retornaremos em breve, é apropriado indicar sua complexa significância religiosa, uma vez que a religião começou a retroceder para a consciência particular do homem, como se Deus tivesse se retirado do mundo. A Fé passou de um ato corporativo para um ato puramente individual.
É claro que, aqui, estamos lidando com um processo no qual o tempo desempenhou um papel importante em seu desenvolvimento. Na esfera religiosa, por exemplo, nem a maioria das personalidades mais significantes - nem, muito menos, a massa da população - professou o ateísmo. Entretanto, muitas coisas começaram a apontar para um futuro que não somente rejeitaria o caráter sagrado do mundo, como também a realidade mesma do Deus cristão. Talvez possamos indicar uma exceção no mundo hispânico onde, em contraste, a Renascença não teve essa significância de ruptura discreta, mas de um singular enriquecimento humano do teocentrismo medieval, que se diferenciou de qualquer antropocentrismo potencialmente contido nela. Foi precisamente esse enriquecimento do teocentrismo que constituiu a civilização do barroco. [11]
Um escritor brilhante, falando a respeito de Quixote, esclareceu isto recentemente:
Na primeira parte do livro, Dom Quixote encarnava o espírito de uma Idade Média moribunda que foi feita vassala da petulante juventude da Renascença, que desprezoava um personagem que ainda era guiado pelos códigos de cavalaria, tratando-o como um ridículo e carcomido inútil. Na segunda parte, toma lugar na obra de Cervantes a mesma metamorfose que se produziu naqueles anos na vida espanhola em geral: o Renascimento refratário a Dom Quixote se rendia, decrépito e esvaziado, perante a força renascida da Idade Média, tão íntima dos ideais quixotescos. Dom Quixote se levanta, assim, como o símbolo de uma Espanha que batalha contra sua época, que tem a coragem para combater o espírito triunfante e orgulhoso do Renascimento ao ponto de conseguir dominá-lo, brandindo a força vital de uma cosmovisão medieval. Cervantes sabia como simbolizar essa batalha através das proezas de seu personagem, que consegue se impor a um mundo insociável e hostil. E, para essa façanha quixótica de reimpor as ideias da Idade Média sobre o espírito corrupto da Renascença, nós damos o nome de Barroco. [12]
Entretanto, a destruição da unidade cristã, enfraquecida pelo espírito renascentista e pela aceleração do processo de secularização, teve que esperar pelo protesto luterano e suas consequências. [13] É verdade que Lutero, por um lado, com sua predestinação fatalística, representou uma reação contra o otimismo do tempo. Mas, quebrando a harmonia entre fé e obras como consequência da separação entre natureza e a graça, ele também arrebentou todas as cadeias que forjavam juntas a verdadeira vida social e política. E, de fato, se a natureza humana em geral carece de valor, a razão tampouco o tem e, consequentemente, o homem não pode descobrir as leis da política e da vida moral. Assim desapareceu "o maravilhoso equilíbrio lógico da liberdade com o direito natural no negócio da salvação eterna,... construído no dualismo do Criador que legisla com a criatura humana, que é livre, racional e responsável". [14]
A esterilidade cultural e histórica implicou que tal plano tornou-se um agente agressivo da secularização com o calvinismo, o destruidor da unidade de tudo aquilo que repousa no coração da vida tradicional. De maneira a tomar outra via aparentemente oposta à da Renascença, veio a afirmar uma visão não-sacramental da existência, constituindo esse anti-sacramentalismo como um elemento intrínseco da visão cósmica protestante: a dupla revelação - natural e sobrenatural - de Deus ao homem era um sofisma papal; o mundo carecia de um valor sacramental que poderia nos conduzir ao seu Criador. [15] Essa foi a "teologia" com a qual os puritanos desembarcaram em Massachusetts e posteriormente moldou a ideologia americanista. [16]
O Estado
O produto secularizado da Cristandade que chamamos de Europa foi moldado de iure após a Paz de Vestfália como um concerto de "Estados". Aqui, também, nós encontramos o espírito do Protestantismo.
Todas as referências ao termo "Estado" trazem com elas várias ambiguidades que nos obrigam a um trabalho inicial de poda para deixar seus significados claros. [17] Limitando-nos a um dos galhos mais frondosos que necessitam dessa poda, é suficiente para nós, agora, notar que, além da intemporal comunidade política, "o Estado" como conceito histórico começou identificado com "o Estado moderno [i. e., uma entidade com tempo determinado]". [18] Dessa maneira, somos confrontados com a confusão criada pelos grandes juristas alemães do século XIX que aplicaram suas próprias categorias de pensamento (a separação de poderes, a diferença entre sociedade e Estado, etc.) aos mundos grego, romano e medieval. [19] O Estado de um momento histórico particular, substituindo-se por todas as formas prévias de coabitação política, era agora visto como possuindo a forma de uma pessoa distinta dos cidadãos; como sendo uma entidade artificial que foi fruto do contrato social, um produto do gênio humano, e dotado de soberania. [20]
A história atual do Estado foi, então, repetidamente atacada, e por diversos ângulos. Assim como em tantos outros temas, a inteira natureza do Estado destacou-se do único princípio da soberania, já que os dois estavam conectados de antemão. [21] Apenas citemos um esforço recente para traçar a história do conceito de governo no Ocidente, desde sua origem patrística - onde "o regime governamental" era visto como o ofício de almas líderes - até sua petrificação na linguagem jurídica-administrativa do Estado moderno. Aqui, os estágios de uma secularização progressiva são reconstruídos, bem como as mutações estabelecendo como - no final da Idade Média - certos desenvolvimentos levaram a uma inversão do relacionamento entre o governo (o regime) e - aqui nos referimos ao poder monárquico - o reino. A conclusão é que, confrontada com a visão exagerada de que "o governo" pressupõe a existência do Estado (moderno), por séculos foram, entretanto, as demandas do "regime governante" que definiram as condições para o exercício do poder. [22] Demorou até o século XVI - após Maquiavel - para o Estado, fruto de uma evolução secular e vencedor nesse contexto devido a uma crise sem precedentes, impor-se a si mesmo como o fundamento da ordem civil e constituir o princípio das práticas governamentais. Então, o exercício do poder governamental do regime e uma certa imagem do príncipe virtuoso que viera com ele desapareceram ante a asserção dos direitos do soberano.
Notemos que já há muito tempo o professor Álvaro d'Ors, tendo por ponto de partida a bem conhecida afirmação de Carl Schmitt acerca da historicidade do Estado - particularmente em contraste com a experiência hispânica -, estabeleceu os requisitos do Estado. Num senso estrito, o Estado nem sempre existiu e é possível que venha a cessar de existir num momento futuro. Outra coisa certa é que a sociedade, estabelecida como uma unidade relativamente independente num território específico, sempre foi fundada com um sistema comum de governo superior ao familiar. Para designar essa forma de existência social que sempre existiu e que só dificilmente poderia desaparecer - ele sugere -, podemos usar o termo "república". Podemos fazê-lo desde que a diferenciemos daquela forma concreta de governo em oposição ao reino, e que não acrescentemos outro significado ao literal - "a coisa pública" ou, melhor, "a gestão pública":
O Estado, propriamente entendido, apareceu no século XVI como uma reação para acabar com a anarquia provocada em algumas nações europeias por guerras religiosas. A Espanha, vendo-se felizmente livre dessas guerras, não sentia realmente a necessidade de um Estado e, por causa disso, a Teoria do Estado - uma construção política feita por "políticos" - foi mal recebida pelos nossos pensadores clássicos. E, de fato, o Estado só foi trazido à realidade na Espanha de maneira bem vagarosa e com grande dificuldade, e sempre dirigido por influências estrangeiras, sobretudo a francesa, uma vez que é na França que a ideia de Estado obteve sua maior racionalização, começando pela obra de Bodin, o primeiro grande teórico do mesmo. [23]
Uma ordem "dirigida pelo Estado" é, assim, assegurada no contexto da pseudo-Reforma Protestante. Isso encorajou o particularismo territorial, reforçando a retirada do modelo universal através de sua antropologia pessimista. Tal força dirigente utilizou a desconfiança como uma categoria para lidar com a vida humana e destruiu, consequentemente, o caráter comunitário da vida coletiva - já que uma das bases para a existência de comunidade é a confiança. Vejamos esses fatores um por um.
O mundo cristão estava ligado ao direito natural, mas também a uma ordem existencial no topo da qual - onde a Cristandade como tal era referência - estava o Sacro Império. Isso simbolizava a unidade das nações e corporações políticas numa união que as abrangia sem aniquilá-las como entidades separadas. A nascente secularização tornou possível que cada parte ganhasse uma consciência do próprio gênio, isolada da comunidade da Cristandade, a qual estava perdendo seu senso de propósito, enquanto cada nação buscava cumprir seu destino fora do bem comum de todos os cristãos na ordem política. Esse bem comum era a justiça e a caridade dentro da Cristandade e a defesa contra o inimigo da civilização cristã fora dela:
Ao invés de encontrar sua missão na vida de todas as pátrias unidas, internacionalmente cristãs, cada nação (à exceção da Espanha e do mundo por ela cristianizado) escolheu um objetivo político que nada tinha a ver com o Cristianismo como tal. A França, por exemplo - ainda que não tenha negado sua Fé Católica - fez tratados com nações protestantes e lutou contra nações católicas em favor de uma glória que era puramente secular e nacional. Podemos chamar essa fase de secularização do Ocidente como oa absolutização do Estado. No fim, o Estado contou mais (e continua contando mais) que as demandas do Cristianismo. [25]
Com a communitas ou universitas christiana destruída, a ideia de Estado foi apropriada para a construção de uma nova forma política. Com efeito, o abandono da ordem natural e existencial na qual, historicamente, essa forma foi encarnada levou a uma construção artificial esvaziada da substância comunitária. A política teve que ser substituída pela "cratologia" - i. e., a ciência do uso da força, a qual Maquiavel arraigou na origem inata do poder, que Bodin contribuiu para afirmar com sua decisiva introdução da ideia de soberania e que Hobbes, mais particularmente, arquitetou em uma nova "ciência" da política.
Devemos notar que, para começar, ainda que o Estado fosse inicialmente nada mais que uma forma política, rapidamente, por causa de seus pressupostos doutrinais e de circunstâncias históricas, ele saiu dessa posição limitada para trabalhar por uma transformação substancial da concepção da vida política em geral. Fê-lo por razões ideológicas, i. e., estimulado por um racionalismo infundado. A chave para entender isso repousa no abandono da lógica de governo e sua substituição por uma lógica estatista, que é o produto de um mero contrato e da sua consequência, a soberania.
A visão anterior era baseada na sociabilidade natural do homem e via a realidade do governo como algo natural, que era inerente à sociedade, juntamente com um amplo número de leis fundamentais adequadas ao organismo político. A nova visão, em contraste, com seu foco no problema da origem do poder político, orienta-se e explica-se a si mesma pelo ponto de vista da soberania, e assim entra no domínio da epistemologia ao invés da pura práxis. Consequentemente, chega à conclusão radical de que não pode existir outra forma de ordem humana ou extra-humana, tanto natural quanto criada, que não aquela do próprio Estado, a forma política moderna, assim como os gregos não podiam conceber a vida fora da polis - embora por razões muito diferentes, visto que a origem da polis é realmente natural, o produto de uma ordenação das coisas, enquanto no caso moderno a organização é puramente mecânica em caráter. E, ao pressupor uma situação de desordem na qual se vive de maneira anti-política ao invés de não-política, sendo essa situação de luta ou de indiferença, é por razões utilitárias que os homens instituem uma ordem política, são eles que definitivamente geram tal ordem: artificialmente, ou seja, por um pacto.
Tal concepção aparece graças ao conceito que legitima a forma estatista da ordem civil, transformando-a em absolutamente soberana, politica e juridicamente. Com efeito, o conceito de Bodin em relação à soberania, derrubando o conceito orgânico de autoridade, deu ao Estado, em sua monopolização da ordem política, a habilidade de legislar e, com esse poder, o monopólio do direito. Dessa forma, a ordem do Estado foi organizada através de leis que constituíram o espaço público no qual o Estado governa. O elemento político e o elemento jurídico foram misturados e confundidos. Num primeiro momento, o político prevaleceu, mas - com o tempo - o jurídico veio a tomar a dianteira, e assim a juridicidade - na realidade, legislação - o fez em detrimento do governo e da política:
Essa mudança, preparada por Bodin e a doutrina contratualista, aconteceu após a Revolução Francesa sob a influência de Rousseau e sua doutrina da soberania popular. A soberania, desde o início, passou a opor-se à predominância do costume como um meio de conhecer o direito, uma vez que proclamava que a lei e a legalidade eram justificadas apenas pela vontade do Estado, cuja força e vida dependia da efetividade do aparato estatal. Por essa razão, a coação constitui um requisito essencial à lei estatal, em contraste com a ideia tradicional característica de direito. Em suma, a soberania moderna fez os homens conceberem a forma política do governo não como uma forma histórica de colocar "a coisa pública", em cuja vida todos os homens essencialmente participam, em ordem, mas como uma organização existindo através de um direito, leis e vida próprias, determinando sua própria ordem assim como da sociedade com um todo. O resultado é que a política prática do moderno Estado político é concebida como a única ordem possível e o único meio de se viver de forma humana e segura. Enquanto a ordenação da vida pressupõe liberdade política, a moderna força organizadora cria segurança em detrimento da liberdade. O governo do Estado moderno não é realmente "político" no sentido de ter a capacidade para decidir. Ao contrário, é uma instituição estatal que se limita a desenvolver as consequências da decisão original que configura o contrato social e a submissão ao Estado: é um mero executor, um poder executivo. [26]
As consequências implícitas no contratualismo social se desenvolveram progressivamente no plano histórico, graças à doutrina político-jurídica da soberania. E essas podem ser sumarizadas - de acordo com o autor a partir do qual seguimos esta última discussão - notando que, na mesma proporção em que cresceu o nível de monopólio do Estado soberano sobre a atividade social, a identidade entre Estado e governo também cresceu, o último perdendo seu caráter político - seu poder de efetuar decisões práticas - em troca da aquisição de um tom burocrático, administrativo. O extensivo e indiferenciado uso dos dois termos juntos - Estado e governo - indica isso claramente.
Observa-se, portanto, as duas faces do Estado moderno: desde o momento em que este quebrou a velha unidade da Cristandade, alimentou uma tendência para a universalização do Estado modelo, enquanto buscava promover uma dupla estrutura de sociedade. Mas esse é só um paradoxo aparente, análogo ao paradoxo aparente do pluralismo. O pluralismo parece promover uma singularidade dentro de um tipo muito diferente de unidade. Mas pluralidade e pluralismo, unidade e unitarismo, na realidade se desenvolvem em dois níveis diferentes, sem espaço para seu verdadeiro encontro. Eles seguem no nível da realidade e da ideologia, similarmente à questão que estamos discutindo aqui. Assim, de um lado nós encontramos a tendência para uma ordem universal embasada na pluralidade das realidades políticas naturais enquanto, do outro, nós vemos um particularismo homogeneizado e, no nosso tempo, um globalismo homogeneizado.
O que vimos nos obriga a retornar aos nossos pressupostos. A gnosis luterana consistiu, essencialmente, na recusa ao reconhecimento do ser real das coisas criadas. As coisas criadas tiveram que ser construídas. Isso toma lugar logo que as consequências políticas do luteranismo - a redução da política ao poder apartado do bem comum e suas consequências jurídicas - a redução da "justiça" (em parênteses) primeiramente à "lei" e então às pretensões subjetivas consideradas como "direitos" - se desenvolveram. Vale a pena gastar algum tempo para tratar sobre cada um desses aspectos da questão.
A liberdade moderna e sua sequela política
Falamos acerca da gnosis luterana, e devemos definir o significado dessa gnosis para entender o que foi dito, bem como entender o que vem a seguir. Embora começar com seu significado possa ter sido evidente apenas àqueles capazes de adivinhar as consequências lógicas derivadas de suas afirmações básicas, o tempo revelou a essência gnóstica da Reforma Protestante. Com efeito, teríamos que esperar pelo luterano Hegel para adivinhar com toda a clareza as escolhas fundamentais feitas pela Reforma - sua matriz racionalista; escolhas não são justificadas pela realidade, mas sim afirmadas e impostas sobre e contra a realidade.
Isso é verdade, por exemplo, para a "liberdade" luterana, entendida como "liberdade negativa", a qual, por sua vez, leva coerentemente à primazia da consciência sobre a ordem objetiva (a consciência como única fonte do bem e do mal; a consciência subjetiva que não recebe ordem, mas sim afirma ser ordem em si mesma) e liberdade de interpretação (quer seja absolutamente individual ou comunitária, como quando é exercida por um corpo chamando a si mesmo de "o Povo de Deus") acerca da Escritura. As "decisões primárias" da Reforma marcam a afirmação da vontade sobre a razão e são, dessa forma, a renovada manifestação do orgulho que caracteriza o Pecado Original: desejo que a ordem da Criação curve-se à vontade humana. [28]
Essa liberdade gnóstica - cujas raízes são muito profundas e distantes no tempo, luciferinas e adâmicas a princípio, e construídas sobre os princípios de não servir a Deus e de dar uma lei para si próprio - encontrou um ambiente cultural particularmente favorável à sua proposição e desenvolvimento de maneira nova com a doutrina protestante, que assinalou uma forte e decidida escolha a favor do racionalismo. E é por isso que a ideia luterana da "liberdade cristã", subsequentemente secularizada, deu origem à ideologia moderna:
É uma liberdade sempre entendida como uma autonomia no sentido estrito da palavra, uma independência do homem a respeito de quaisquer obrigações de classe ou normas que são impostas por fontes alheias à sua subjetividade. É uma liberdade que só pode ser entendida como de fato sendo um princípio primeiro ou absoluto, uma vez que, se qualquer coisa a condiciona ou a limita, cessa de ser o que é... E isso carrega a marca, em toda a história posterior a Lutero, da negação do livre-arbítrio no homem, a qual é uma premissa essencial. [29]
No plano político, a doutrina de Lutero está, como já notado, na origem do Estado moderno, o qual é concebido como um instrumento de punição para a perversidade humana, absolutamente necessário por causa disso, mas apenas como um "mal necessário". Ademais, o Estado moderno, sobretudo inciado com a Paz de Augsburgo (1555), tornou-se "intolerante":
Tão intolerante a ponto de obrigar muitos protestantes a abandonar a Europa para preservarem suas próprias (ainda que errôneas) convicções acerca da consciência, liberdade e religião. A doutrina luterana reforçou o absolutismo em virtude de um processo gradual e articulado, um absolutismo que não demorou a transformar-se na democracia moderna, em particular invocando a soberania popular, que é a outra via do forte Estado moderno para afirmar a liberdade negativa, a vontade irracional e a absoluta primazia do indivíduo em todas as ordens, inclusive a da Criação. [30]
O que está em discussão aqui é uma utopia sobre a qual foram construídas distintas doutrinas morais e teorias políticas que produziram uma heterogeneidade de fins, uma vez que nenhuma delas, de fato, teve sucesso em alcançar a liberdade como "liberação" (como a "liberdade" mais livre promovida pelos liberais) sem encontrar contradições ou impasses retóricos:
Locke não obteve êxito: sua doutrina levou, no plano político-jurídico, ao positivismo puro através da hermenêutica do direito natural racionalista oferecida - no julgamento dele - pelo soberano. Nem o obteve Rousseau; Rousseau, cuja teoria política se apoia e deságua no totalitarismo. Kant não poderia atingir tampouco, constrangido a fazer da autonomia da vontade o instrumento do republicanismo e, dessa forma, não distanciando-se, na prática, das conclusões de Rousseau, pelo qual nutriu e ao qual manifestou um entusiasmo irracional. Não pôde alcançá-lo Hegel, que fez do Estado o maior momento da subjetividade, por definição livre em sua auto-determinação. Finalmente, as "novas" doutrinas liberais do nosso tempo não obtiveram êxito, obrigadas a invocarem um nihilismo teorético (cuja afirmação constitui já uma contradição) a fim de impor tanto ordenamentos jurídicos neutras para confrontarem a realidade e o bem quanto práticas vitais inspiradas no relativismo. As dificuldades e as contradições do nosso tempo são o sinal e, às vezes, a prova do absurdo da assunção da liberdade liberal como liberdade. A liberdade liberal, propriamente falando, é a "liberdade negativa", i. e., a liberdade exercitada somente com o critério da liberdade, i. e., sem qualquer critério. Pouco importa, sob o ângulo teorético, ainda que a questão resulte relevante a partir do prático, que essa liberdade se exercite pelo indivíduo ou pelo Estado. O que se destaca é que postula que a liberdade é liberação: liberação da condição finita, liberação da própria natureza, liberação da autoridade, liberação das necessidades, etc. [31]
A liberdade liberal é, essencialmente, uma demanda por independência da ordem das coisas; i. e., dos dados ontológicos da Criação e, enfim, independência até de si mesmo:
A liberdade liberal, dessa forma, demanda coerentemente, ainda que absurdamente, a soberania da vontade, seja do indivíduo, da sociedade ou do Estado. Busca sempre afirmar a liberdade em respeito a Deus e a liberação de Sua Lei com a intenção de ratificar a vontade/poder sem critérios e, no máximo, admitir somente os critérios que derivam dela, e tais - por dependerem disso - não são propriamente critérios. Daí a demanda pelas chamadas liberdades "concretas": liberdade de pensamento como oposta à liberdade para pensar; liberdade de religião como oposta à liberdade para a religião; liberdade de consciência ao invés de liberdade para a consciência, etc. [32]
Em suma, o liberalismo é a cria do protestantismo, particularmente do calvinismo, e ambos - como concluiu um autor - são os perpétuos inimigos da Cidade Católica. É de crucial importância entender isso, pois "um homem incapaz de perceber o papel do protestantismo e, sobretudo, do calvinismo na História, não pode ter qualquer visão clara sobre a crise dos nossos tempos". [33]
Direitos subjetivos e direitos humanos
Também de grande importância é a consequência jurídica da concepção protestante da liberdade no que concerne aos direitos subjetivos e, a fortiori, àqueles que são chamados de "direitos humanos".
A sabedoria clássica, mais perene que meramente antiga, observou a equação do direito e justiça como identificando "direito" com "o justo", tanto em grego (to dikaion) como em latim (id quod justum est). O direito era o objeto primeiro da justiça, embora sua definição rapidamente tenha se desenvolvido: seria a arte de discerni-la, a "sentença" proclamando um julgamento relativo a ela, a lei em si mesma (na medida em que possa ser "justa", somente quando os fatos do tipo universal coincidem exatamente com os fatos do caso particular), e até mesmo a faculdade moral que cada um de nós possui sobre o que nos pertence e o que nos é devido. [34]
Os dois primeiros desenvolvimentos encontramos no próprio São Tomás, enquanto os dois últimos pertencem à segunda era escolástica, respectivamente a Francisco de Vitória, dominicano, e a Francisco Suárez, jesuíta. Aquino utiliza a mesma palavra "direito" para identificar a arte pela qual nós alcançamos o conhecimento do justo (ars artem quam qua cognoscitur quid sit iustum), bem como o julgamento dado por aquele que administra a justiça (quod redditur ab eo ad cuius officium pertinet iustitiam facere). [35]
O terceiro, em contraste, não é aceitado por São Tomás, embora ele não o exclua. É uma questão de perspectiva. [36] Para ele, bem como para os juristas romanos, o direito não é essencialmente um conjunto de regras; por isso, afirma expressamente que a lei não é "direito", mas sim uma certa racionalização do "direito" (lex non est ipsum ius proprie loquendo sed aliqualis ratio iuris), uma vez que:
Assim como o artista tem na mente o plano do que faz com a sua arte, e que se chama a regra dela; assim também na mente preexiste uma ideia da obra justa que a razão determina, ideia que é como que a regra da prudência. E esta, quando redigida por escrito, chama-se lei; pois, a lei, segundo Isidoro, é uma constituição escrita. Por onde, a lei, propriamente falando, não é o direito mesmo, mas, uma certa razão do direito. [37]
Não obstante, o dominicano espanhol do século XVI, ainda que não rejeite o pensamento de seu antecessor, realmente olha para ele a partir do ângulo da relevância crescente da lei: para Vitória, a lei é também direito (alio modo capitur ius pro lege ipsa), conquanto, naturalmente, "na medida em que é justa". [38] E, com o jesuíta, o direito subjetivo aparece entre aquilo que é análogo ao direito, entendendo a definição também como a faculdade moral que alguém possui, tanto em relação a uma coisa própria quanto ao que é (justamente) devido a ele (facultas quaedam moralis quam unusquisque habet vel circa rem suam vel ad rem sibi debita). [39]
Embora o debate também tenha girado em torno da ideia da lei como coisa análoga ao direito, ele foi mais intenso sobre a questão do direito subjetivo. Alguns autores criticaram o próprio conceito de "direito subjetivo" como nocivo à justiça objetiva, indicando que a distinção entre subjetivo e objetivo é produto de uma análise racionalista desnecessária para compreender a realidade jurídica. [40] E, ainda que o entendimento do direito como uma faculdade ou poder tenha precedentes no pensamento católico, "o esforço para distinguir a faculdade da regra, o subjetivo do objetivo, é muito particular à doutrina racionalista protestante, que tende a reforçar o individualismo e a relativizar a objetividade do critério de justiça". [41] Outros autores, ao contrário, moderaram seu juízo, rejeitando não tanto o conceito de direito subjetivo, mas sua tendência para deslizar ao terreno da mera presunção. Suas análises começam com a definição de direito dada por Gaio como obligatio iuris vinculum quo necessitate adstringimur alicuiu solvendae rei, secundum nostrae civitatis iura. [42] E isso serve não somente para contratos, como também para todas as obrigações naturais, de tal modo que, mesmo quando o direito é facultas ou poder, ele não pode escapar para longe de uma obligatio iuris, em outros obligatio moralis, uma vez que o dever que demanda completude dá origem ao direito como seu complemento:
O direito subjetivo não é, por essa mesma razão, criado pela norma positiva. Ele é "coletado" da norma positiva que reconhece no sujeito também a ação para reivindicá-lo. O direito subjetivo não é uma facultas agendi baseada na norma para que aja, como a doutrina do positivismo jurídico continua a sustentar. A norma agendi não pode, tampouco, propor ou retirar a obligatio iuris.
O direito subjetivo é a facultas moralis, como Suárez, [43] por exemplo, defende, no senso de que a satisfação de uma inclinação natural ou a resposta a uma vocação natural são, às vezes, requeridas a fim de cumprir uma necessidade ou um dever.
Os "direitos humanos" devem ser entendidos nesse contexto, o da modernidade, o qual está estreitamente ligado ao subjetivismo:
Com efeito, a tendência que foi universalmente manifestada desde a Renascença tomou forma de um regresso do objetivo para o subjetivo. Assim, na esfera religiosa, os dados objetivos a respeito das realidades sobrenaturais foram suplantados pelo princípio subjetivo da "livre interpretação"; na ordem moral e jurídica, as noções de fim, de bem comum e de uma ordem objetiva instituída com o intuito de alcançá-los foram substituídas pela "ideia de dever" e pela "harmonização da liberdade de cada um com a liberdade de todos os outros". No plano político, cessou-se a visão das instituições como produtos de leis prévias a elas e mais elevadas em seus fundamentos que as vontades individuais e se passou a vê-las como o resultado de um "contrato social", como o fruto de uma harmonização das liberdades individuais. Em consequência, não é possível assegurar às mesmas mais fins que aqueles dedicados a salvaguardarem as prerrogativas e os direitos originais do individualismo. E, no campo econômico, a ideia da satisfação das necessidades materiais se encontrou subordinada à lei da "livre concorrência", quando não foi inteiramente eclipsada por esta. [44]
A respeito disso, o que nos interessa aqui, o que se destaca da visão anterior, é a consideração da liberdade como prius, como um valor absoluto, ausentes todos os vínculos e limitações e, em segundo lugar, com ainda maior significado direto para o conceito de direito, o início de uma asserção do mesmo como direito subjetivo. Nesse sentido, e chegando aos estágios finais de desenvolvimento, nós podemos dizer que:
O vício do liberalismo... consistiu na inversão da ordem dos valores. Ao invés de considerar as manifestações da liberdade como matéria que deve ser regulada... converteu a liberdade mesma numa lei suprema e última. E, como consequência, despojou a razão da sua supremacia prática; somente enxergou o ato humano quando este escapou de sua própria governança, como se estivesse desintegrado. Esses dois erros provocaram um terceiro, o qual consistiu em olhar para o poder do homem como a expressão de seu direito. [45]
É assim que o liberalismo fez da "mudança do objetivo para o subjetivo" um fenômeno geral, confundindo o que é direito com as prerrogativas da pessoa, com o poder - que emana de seu caráter como um ser livre - de explorar essas prerrogativas e ordenar sua consideração. E esse poder é o que tem sido chamado de direito subjetivo.
Separar a noção de "direitos do homem" da categoria do "direito subjetivo" resulta uma tarefa impossível. E precisamente por causa das assunções complexas do individualismo, subjetivismo, da teoria racionalista do direito natural e do liberalismo, por meio do qual a ideia de direito subjetivo - e, dessa forma, dos direitos do homem - foi criada, desenvolvida e consolidada, que tais categorias não possuem somente um significado técnico-jurídico. Possuem também um sentido ético ou moral, político, ideológico e até mesmo mítico e simbólico. Além disso, é a estes significados ideológicos e simbólicos que devemos voltar nossa atenção principal, uma vez que, em última análise, são os que se mostram verdadeiramente relevantes no universo conceitual contemporâneo e nos ordenamentos jurídicos que os consagram.
O conceito de direitos humanos nasceu - ao menos, virtualmente - aberto ao conceito de transcendência do direito (mesmo tendo por base o racionalismo). Agora, tais direitos humanos foram transformados em meras reivindicações, garantidas em primeiro lugar contra a ordem das coisas, e codificados posteriormente em um novo tipo de ordenamento como "direitos civis", o qual, ainda que os limite, afirma-os indiscriminadamente com o auxílio das novas concepções. [46]
Capitalismo
O capitalismo começou a se desenvolver nos Países Baixos e na Inglaterra antes da Reforma Protestante, devido à transformação econômica que levou ao início da Revolução Industrial. Iniciou-se, também, com o declínio das corporações de ofício e suas antigas liberdades, por causa da centralização do Estado e da ascensão da burguesia como uma nova classe social. Mas o capitalismo nascente recebeu seu espírito do calvinismo.
É sabido que tanto Lutero quanto Calvino negaram o livre-arbítrio do homem e, ao mesmo tempo, afirmaram a total depravação da natureza humana e, dessa forma, a inutilidade das obras para a salvação. Falamos anteriormente do estéril potencial histórico e político do luteranismo, uma vez que tornou todo o desenvolvimento da doutrina cristã impossível, baseando a fé exclusivamente nas Escrituras e recusando a autoridade da Tradição e dos Padres da Igreja. Essa religião fossilizada, sem qualquer dinamismo, recebeu um novo impulso com o espírito revoltoso de Calvino, que acrescentou aos elementos comuns do protestantismo um componente novo: a benção de Deus, administrada através das bençãos deste mundo, é um sinal de predestinação.
Daí a origem protestante e, especialmente, calvinista - de acordo com a afirmação de Max Weber [47] - da ética capitalista, precisamente o motivo da conversão do cisma anglicano em protestantismo. Sem o calvinismo, os novos meios industriais poderiam ter sido canalizados pela moralidade católica ao serviço do bem comum ao invés do bem puramente particular, e o mundo seria diferente. No entanto, o calvinismo desviou a nova economia e seus progressos industriais para uma mentalidade e uma psicologia de insegurança interna, insistindo que o indivíduo, como tal, enriqueça a si mesmo e, dessa maneira, simbolize sua salvação para o mundo todo, bem como para si mesmo.
O liberalismo, na sua forma econômica, derivou do espírito calvinista. Na Escócia, na Inglaterra, na Holanda e nos Estados Unidos, os calvinistas sempre foram grandes capitalistas. Na França, aliás, um país de maioria católica, uma parte muito importante das riquezas (sobretudo financeiras e industriais) sempre estiveram nas mãos dos protestantes. E é um fato que, ainda que o calvinismo tenha, doutrinalmente, perdido sua energia, manteve sua força como uma ética (a ética protestante); uma ética que colocou o trabalho numa posição de honra enquanto reduziu a contemplação e o lazer ao nível de epifenômenos. A História mostra isso abundantemente no resultado da Revolução Inglesa do século XVI, na porção dos Países Baixos durante o mesmo período, na Revolução Francesa e no confisco de bens da Igreja na Espanha no século XIX.
Uma visão panorâmica de distintos países europeus no século XVII nos permite fazer algumas observações importantes. [48] Na França de Luís XIV, por exemplo, a política de enriquecimento suntuoso favorecida pela Coroa serviu como uma ferramenta para a total e definitiva submissão da nobreza ao poder real, a qual vendeu-se pelo poder do dinheiro ao serviço da Coroa. E, se na França a monarquia possuía uma representação aristocrática fictícia, nos países que lutaram contra a França aconteceu um fenômeno paralelo.
Assim, na Holanda, uma burguesia mercantil carente de uma aristocracia e hostil à (aparente) aristocracia francesa apoiou os líderes de um protestantismo liberal que sustentou Spinoza.
E, particularmente, na Inglaterra, onde - começando com a Revolução de 1688 e as transformações sociais que a seguiram - uma situação se desenvolveu quase ao reverso da França, uma vez que o poder acabou nas mãos de uma oligarquia calvinista de mercadores whigs que desalojaram os donos de terra tories e terminaram travestindo o poder do dinheiro num traje monárquico. A oligarquia liberal foi representada numa forma monárquica com sua igreja, estabelecida como "defensora da fé". A Inglaterra, no final do século XVII, era definitivamente um país protestante que tinha, como seus líderes, ricos comerciantes com aparência nobre, que conduziam negócios mercantis ao redor do mundo. Dessa maneira, poderíamos afirmar que a Inglaterra não era tanto uma monarquia quanto uma oligarquia representada num hábito monárquico. Como resultado, transformou-se no modelo para todas as monarquias constitucionais (e sistemas parlamentares, posteriormente): essa é a tese de Sombart, uma tese que todas as histórias econômicas confirmam mostrando a importância do comércio internacional de luxo no financiamento inicial do capitalismo, e o apoio inicial que o colonialismo deu à Revolução Industrial na Inglaterra, que não teria sido possível sem esse financiamento prévio.
Ao final do século XVIII veio a Grande Revolução na França, obra de uma burguesia rica divorciada da religião católica e profundamente influenciada pelo espírito protestante e capitalista que se estabeleceu ao longo do tempo. O indício disso pode ser encontrado no famoso lema de Guizot, "Enrichissez-vous!". Não há frase que simbolize mais cinicamente o casamento entre o espírito liberal e o calvinista. O bem maior é colocado nas coisas materiais deste mundo. Posteriormente, a doutrina liberal e calvinista abriria o caminho para o ateísmo e a reação marxista contra o capitalismo.
A Espanha do século XIX também experimentou uma influência calvinista, ainda que indiretamente. O calvinismo, que não entrou na Espanha com rigor teológico, impactou através da cultura maçônica. O confisco de bens da Igreja repetiu o que havia acontecido na Inglaterra três séculos antes. Foi o que tem sido chamado de "imenso roubo" que criou uma classe proprietária a serviço da Revolução, rapidamente batizada de "moderada" e finalmente confirmada como "conservadora". O estopim para as Guerras Carlistas foi o enorme sustento que o liberalismo espanhol encontrou no capitalismo europeu, amparo que tornou possível a um punhado de maçons e burgueses, totalmente alheios ao apoio da população, tomarem o controle dos destinos do país. [49]
Rumo a uma conclusão
Retornemos aos dois autores que nos ajudaram a introduzir o atual assunto.
O primeiro deles nos permite sumarizar a perplexidade da presente situação:
A idade moderna é essencialmente protestante e seu começo não deve ser fixado no aparecimento da imprensa (1440), nem na queda de Constantinopla (1453), nem na descoberta da América (1492), mas no levante luterano contra a Igreja (1517). O que nós não sabemos é quando a idade moderna acabou - o mundo "contemporâneo" sendo nada mais que sua prolongação -, uma vez que as declarações da "pós-modernidade" que circulam hoje pelo mundo não parecem corresponder realmente a uma nova era no curso da História. Similarmente, a esses movimentos "futuristas" de setenta anos atrás não se seguiu uma mudança histórica real e geral. Sim, há sintomas do colapso da ética não-confessional, do Estado e do pacifismo. Podemos até mesmo sentir a profunda insatisfação com os resultados do individualismo jurídico e com o positivismo legal, e certo alarme contra a loucura da imoralidade capitalista. Entretanto, nós não sabemos como esses fenômenos de exaustão geral terminarão, cristalizando uma nova forma de existência que pode permitir aos homens do futuro falarem sobre uma nova era histórica. Eu não sei. Os sinais do tempo me parecem inexplicavelmente contraditórios... [50]
O outro autor permite nos livrar de tal escrúpulo. Ele faz isso evocando a lenda de Supay, da antiga mitologia inca. É dito que a imensa cadeia de montanhas onde hoje moram os povos bolivianos era, em tempos remotos, uma planície coberta por árvores nas quais pássaros de diversas plumagens faziam seus ninhos. O pai Deus-Sol olhou para baixo com prazer pela própria grandeza, e a Deusa-Lua apenas olhou para os mortais com o canto do olho enquanto subia no céu.
Um dia, um índio como qualquer outro fabricou uma flauta e começou a tocá-la e, ao fazê-lo, a natureza ganhou novo vigor: as árvores cresceram, os rios se encheram com mais água, os pássaros cantaram com mais força por conta da música encantada da pequena flauta. Noutro dia, o mesmo índio, conhecendo sua força, quis testá-la mais além. Tocou sua flauta com tal energia que, em sua exaltação, a natureza ganhou vida a tal ponto que perdeu seu ritmo. Então, as montanhas caíram sobre os vales, os rios transbordaram, as árvores caíram no abismo e a humanidade estava a ponto de perecer.
Deus-Sol, olhando para baixo a partir das alturas, viu o que o pequeno Supay havia feito, desceu para a terra e tentou refazer sua obra, mas sem sucesso, por causa da destruição em larga escala que havia sido feita. Tomando a flauta em suas mãos, quebrou contra uma rocha. O pequeno Supay, então, foi de cidade em cidade, como uma alma sem luz, carregando uma pesada bolsa no ombro na qual estavam todas as doenças e todas as calamidades imagináveis, inclusive a morte. Assim as coisas continuaram por séculos, até que homens barbudos vestidos de ferro chegaram naquelas terras e Supay, transformado num defensor da terra que destruíra, passou a proteger os índios contra esses homens.
Essa lenda reflete exatamente a situação do protestantismo em relação ao Ocidente. Algumas igrejas protestantes lutaram contra o comunismo no passado recente, e - adicionemos - outras defendem hoje a lei natural a respeito da vida e do matrimônio. No entanto, tais ações carecem de seu conteúdo adequado:
O Ocidente era a Cristandade medieval, e foi isso que o Supay chamado Lutero destruiu. Ele quer, agora, proteger a mesma obra que contribuiu para destruir contra os homens que chegaram do Oriente. Ele espalhou a doença e agora quer curá-la. Do ponto de vista da pura lógica, o trabalho de Supay é o mais desprovido de sentido dentre todos - não do Supay nascido na Bolívia, mas do Supay que vestiu um capuz de frei agostiniano e nasceu numa cidade alemã chamada Eisleben.
*Tradução livre (a partir do inglês) do capítulo The Protestant Matrix for Modern Politics and Rights, contante no livro Luther and His Progeny: 500 Years of Protestantism and Its Consequences for Church, State, and Society, editado por John C. Rao,
NOTAS:
[1] Cf. Álvaro d’Ors, “Retrospectiva de mis últimos XXV años”, Atlántida (Madrid) n.13 (1990): 90–99.
[2] Francisco Elías de Tejada, La monarquía tradicional (Madrid: Rialp, 1954), 38.
[3] Ibid., 37.
[4] Cf. Miguel Ayuso, “Spanish Carlism: An Introduction”, em A Catholic Witness in our Time: A Festschrift in Honor of Dr. Robert Hickson (Fitzwilliam, NH: Loreto Publications, 2015), 325–48.
[5] Christopher Dawson, The Making of Europe. An Introduction to the History of European Unity (London: Sheed and Ward, 1939), 284–90. Elías de Tejada, no livro citado anteriormente, fez algumas críticas a respeito da explicação de Dawson. E ele, ao final, sem mencionar a disputa, publicou um livreto apenas em espanhol: España y Europa (Madrid: Punta Europa, 1959).
[6] Ver Augusto Del Noce, The Crisis of Modernity (Montreal-Kingston-London-Ithaca, McGill: Queen’s University Press, 2014). Mas a modernidade não é divisível, responde Danilo Castellano. Cf. Bernard Dumont, Miguel Ayuso, e Danilo Castellano, eds., Eglise et politique. Changer de paradime (Perpignan: Artège, 2013).
[7] Christopher Dawson, España y Europa, 11–12.
[8] Álvaro d’Ors, “Prefácio” à edição espanhola de Romano Guardini, Der Heilbringer in Mythos, Offenbarung und Politik (Madrid: Rialp, 1948).
[9] Rafael Gambra, “Comunidad o coexistencia”, Verbo (Madrid) nn. 101–02 (1972): 52. Eu desenvolvi o argumento em “From State to Clubs (Passing through Civil Society),” in Eoin Cassidy, ed., Community, Constitution, Ethos (Dublin: Otoir Press, 2008).
[10] Frederick D. Wilhelmsen, El problema de Occidente y los cristianos (Seville: ECESA, 1964), 22. Esse livro, escrito pelo autor diretamente em espanhol, é um valioso manual de filosofia e teologia da História. Ver também: Frederick D. Wilhelmsen, Christianity and Political Philosophy (Athens: University of Georgia Press, 1978), 129 ff. e 174 ff. Dois capítulos são especialmente interessantes para nós: “Donoso Cortés and the Meaning of Political Power” and “The Natural Law Tradition and the American Political Experience.”
[11] Cf. Frederick D. Wilhelmsen, The Metaphysics of Love (New York: Sheed and Ward, 1962), por uma profunda interpretação do Barroco e, em particular, do barroco espanhol. Ver também: Alberto Wagner De Reyna, “Barroquismo y vocación de Iberoamérica”, Reconquista (São Paulo) n.2 (1950): 97 ff.
[12] Juan Manuel De Prada, “La victoria de Don Quijote”, XL Semanal (Madrid), 27 de março 2016.
[13] Cf. Brad S. Gregory, The Unintended Reformation: How a Religious Revolution Secularized Society (Cambridge, Massachusetts e Londres: The Belknap Press da Harvard University Press, 2012).
[14] Francisco Elías De Tejada, “El derecho natural, fundamento de la civilización”, Revista Chilena de Derecho (Santiago) n.1 (1974): 290.
[15] Frederick D. Wilhelmsen, El problema de Occidente y los cristianos, 39 ff.
[16] John Rao, Americanism and the Collapse of the Church in the United States (St Paul, MN: Remnant Press, 1984).
[17] Ver meus livros: ¿Después del Leviathan? Sobre el Estado y su signo (Madrid: Speiro, 1996); ¿Ocaso o eclipse del Estado? Las transformaciones del derecho público en la era de la globalización (Madrid: Marcial Pons, 2005), e El Estado en su laberinto. Las transformaciones de la política contemporánea (Barcelona: Scire, 2011).
[18] Carl Schmitt, “Staat als ein konkreter, an eine geschichtliche Epoche gebundener Begriff” (1941), em seu vol. Verfassungsrechtliche Aufsätze aus den Jahren 1924–1954. Materialen zu einer Verfassungslehre (Berlim: Duncker und Humblot, 1958), 375 et seq.; e Der Nomos der Erde im Volkerrecht des Jus Publicum Europaeum (Köln: Greven, 1950).
[19] Cf. Ernst-Wolfgang Böckenförde, Die deutsche verfassungsgeschichtliche Forschung im 19 Jahrhundert (Berlim: Duncker und Humblot, 1961).
[20] Cf. Bertrand de Jouvenel, Du pouvoir. Histoire naturelle de sa croissance (Genève: Éditions du Cheval, 1945), e Francesco Gentile, Intelligenza politica e ragion di Stato (Pádua: CEDAM, 2000).
[21] Manuel Garcia Pelayo, Del mito y la razón en el pensamiento político (Madrid: Revista de Occidente, 1968), e Idea de la política y otros escritos (Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983); Richard H.S. Crossman, “The Beginnings of the Modern State”, in Government and the Governed. A History of Political Ideas and Political Practise (Londres: Christopher, 1939); Friedrich August von der Heydte, Die Geburtsstunde des souveränen Staates (Regensburg: Josef Abbel Verlag, 1952); Gioele Solari, La formazione storica e filosofica dello stato moderno (Turim: Giappichelli, 1962); José Pedro Galvão De Sousa, O totalitarismo nas origens da moderna teoria do Estado (São Paulo: Saraiva, 1972); Bertrand de Jouvenel, Les débuts de l’Etat moderne (Paris: Fayard, 1976).
[22] Michel Senellart, Les arts de gouverner. Du “regimen” medieval au concept de gouvernement (Paris: Seuil, 1995).
[23] Álvaro d’Ors, Una introducción al estudio del derecho (Madrid: Rialp, 8a edição, 1982), 118–19.
[24] Cf. Francisco Elías De Tejada, Sacrum Imperium und überstaatliche Ordnung (Eichstätt: Abenländische Akademie, 1952).
[25] Wilhelmsen, El problema de Occidente y los cristianos, 28–29.
[26] Dalmacio Negro, Gobierno y Estado (Madrid: Marcial Pons, 2002), 23.
[27] Danilo Castellano, “Prime considerazioni a propósito della ‘riabilitazione’ di Lutero”, Instaurare (Údine) vol. XLIV, n.2 (2015): 9.
[28] Juan Antonio Widow, La libertad y sus servidumbres (Santiago de Chile: RIL, 2014), cit., 239 ff.
[29] Ibid., 237.
[30] Danilo Castellano, “Prime considerazioni a propósito della ‘riabilitazione’ di Lutero”, 11.
[31] Danilo Castellano, “Qué es el liberalismo”, Verbo (Madrid) n.489–90 (2014): 730–31.
[32] Ibid., 731. Ver Julio Alvear, La libertad moderna de conciencia y religión. El problema de su fundamento (Madrid: Marcial Pons, 2013).
[33] Wilhelmsen, El problema de Occidente y los cristianos, 51.
[34] Cf. Alain Sériaux, Le droit natural (Paris: PUF, 1993); Juan Vallet De Goytisolo, “Introducción al derecho y a los denominados derechos humanos”, Verbo (Madrid) n.259–60 (1987): 1017 ff.
[35] São Tomás de Aquino, S. Th. II-II, 57, 1, ad 1.
[36] Cf. Miguel Ayuso, De la ley a la ley. Cinco lecciones sobre legalidad y legitimidad (Madrid: Marcial Pons, 2001); Michel Bastit, Naissance de la loi moderne (Paris: PUF, 1990).
[37] São Tomás, S. Th., II–II, 57, 1, ad 2.
[38] Francisco de Vitória, De iustitia, 57, 1, 7.
[39] Francisco Suárez, De legibus, I, 2, 5.
[40] Cf. Michel Villey, Leçons d’histoire de philosophie de droit (Paris, Dalloz, 1957), e Seize essais de philosophie de droit (Paris, Dalloz, 1969).
[41] Álvaro d’Ors, Una introducción al estudio del derecho, 33.
[42] Gaius, Instituta, I, 3, 13 pr.; and D, 44. 7. 3 pr.
[43] Francisco Suarez, De legibus, I, 2, 2.
[44] Louis Lachance, Le droit et les droits de l’homme (Paris: PUF, 1959), 146 ff.
[45] Ibid., 160 e 148.
[46] Danilo Castellano, “El derecho y los derechos en las Constituciones y Declaraciones contemporáneas”, Verbo (Madrid) núm. 533–34 (2015): 326.
[47] Max Weber, Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, primeira edição em 1904–1905.
[48] Eu sigo Francisco Canals, Mundo de Dios y Reino histórico (Barcelona: Scire, 2005), 72 ff.
[49] Ver novamente meu “Spanish Carlism: An Introduction”, citado acima.
[50] Álvaro d’Ors, “Retrospectiva de mis últimos XXV años”, 99.
[51] Francisco Elias De Tejada, Consecuencias del protestantismo (Salamanca: Congregación Mariana Universitaria, 1949), 8–9.