quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A beleza da Igreja Católica

Por Juan Vázquez de Mella, em trecho de conferência proferida na Real Academia de Jurisprudencia (Espanha) em 17 de maio de 1913. Tradução livre.


Os belíssimos vitrais de uma joia da Cristandade: a Catedral de Notre-Dame

O amor é a primeira e a última palavra da Igreja Católica. E quais são as causas do amor? A bondade e a beleza: duas irmãs gêmeas que andam sempre juntas e abraçadas à verdade, que é a irmã maior. Onde quer que vejais a beleza e a verdade, ali estará o amor para vos dirigir a elas e vos acender em suas chamas; e, onde quer que esteja o amor, ali estarão a bondade e a beleza para inflamá-lo. E a Igreja, manifestação da verdade absoluta, tinha que pertencer à bondade e refletir sua beleza; e, por isso, quero vos colocar na presença de um grande contraste que ilumina a face da Igreja com uma nova luz que somente Ela irradia.

Comparai os templos de todas as religiões com um templo católico, e vereis que só nesse último encontram-se todas as artes, e que nos outros não há todas: estão dispersas ou proscritas. Como a Igreja é a manifestação da suprema beleza, todas as belezas, raios do mesmo foco, sentem-se atraídas por Ela. O pagode oriental deforma a natureza com seus monstros; a mesquita renega a escultura e a pintura; na sinagoga atual encontrareis o gérmen, mas nada mais que o gérmen, das belas artes, porque, como se apartou e não quis seguir a corrente da Igreja, só conserva o que anunciava à Igreja nos serafins que guardam a Arca da Aliança e nos começos da ornamentação simbólica que, não podendo mais expressar a verdade religiosa, copiaram como seu símbolo as seitas secretas que a combatem. Nem sequer as heresias que se chamam cristãs conservam as belas artes. A Reforma, que resume-as todas, é iconoclasta: proscreve a escultura, proíbe a pintura e seus templos parecem templos profanos. E, o que mais? O mesmo cisma grego, que conserva o dogma, como se afastou da unidade, se reconhece a pintura, ainda que petrificada na rigidez bizantina (como se quisesse sempre recordar a data da ruptura com Fócio no século IX e sua consumação no XI), não admite o relevo e renega a escultura. 

Só a Igreja Católica, sentindo-se obra do Artista supremo, congrega ao redor de seu trono todas as manifestações da formosura na natureza e na arte. O mundo vegetal e animal, com as riquezas da sua flora e da sua fauna, está nos capitéis e nos pórticos, representando simbolicamente virtudes e pecados. A escultura se levanta nos altares; a pintura reproduz a vida inteira e o triunfo dos mártires e dos santos, e a glória, o purgatório e o inferno nos tímpanos, nos muros, nos vitrais e nos retábulos, e todas as vozes da alegria e da dor no cântico, na música do órgão, na língua de bronze do sino, e até a dança sagrada e a arte cênica no esplendor de seus ritos e cerimônias; não em vão o drama litúrgico nasceu no templo. E, acima das manifestações plásticas da beleza, faz brilhar todos os esplendores da doutrina e da poesia; se quereis o ensino didático, ela vos mostrará o que se chama cátedra por antonomásia; se quereis o drama e a epopeia, e o poema mais heroico, todos os dias e a todas as horas está lendo a tragédia suprema e a maior das epopeias, porque nela não está como protagonista um homem, mas sim o Homem; não uma mulher, senão a Mulher Virgem e Mãe; não o humano nem o divino desfigurado e separado, típico das antigas teogonias, mas o divino e o humano unidos no Deus-Homem. 

Todas as formas literárias lhe rendem vassalagem para expressar a história dos personagens superiores a todas as concepções artísticas, e sentimentos que não cabem na alma e na lira dos grandes poetas. Ela apresenta dramas reais, humanos e divinos ao mesmo tempo, e que superam todas as criações da fantasia. Que novela histórica ou cavalheiresca poderá se comparar com a vida dos conquistadores e guerreiros vitoriosos como São Fernando, ou vencidos como São Luís? Que aventureiros heroicos poderão colocar seus feitos ao lado dos feitos de São Francisco Xavier? Que novela social pode se aproximar da vida de São Vicente de Paulo ou São João de Deus? Que novela psicológica, a essas súbitas conversões como a da Madalena, São Paulo e Santo Agostinho? E, se buscais todas as formas e modelos da poesia lírica, ela vos oferecerá as elegias comoventes e os hinos triunfais mais grandiosos que já agitaram o coração e os lábios dos homens. Lança imprecações terríveis com a voz dos profetas, e é fúnebre no Dies Irae; se inunda com o pranto no Stabat Mater; suplica e roga com todos os acentos da ternura da Salve Regina; mas canta no Magnificat e expressa o triunfo no Te Deum, porque tem em suas mãos o coração dos homens; e, como escuta as solicitações da vida divina nas vozes da graça e escuta a confissão de todos os pecados e misérias humanas, abarca todas as coisas; e seu templo, como o Universo, reúne todos os contrastes e todas as harmonias.

Há direito de privar o menino, privar a juventude, desta síntese suprema, a maior que já brilhou no mundo, porque desceu dos céus, e a gravam a razão e a fé nas almas dos homens?


Retábulo maior da Catedral de Sevilha: a maior igreja gótica, consagrada anos após o término da Reconquista (clique na imagem para ver todos os detalhes)



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